BUROCRACIA ESTATAL OU
RACIONALIDADE COLETIVA? UM ESTUDO DA GESTÃO EDUCACIONAL DO MST
Autora: Arlete Ramos dos Santos[1]
Co-autor: Gilvan dos Santos Souza[2]
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo: O objetivo desse trabalho é analisar a gestão educacional
sob o enfoque da burocracia estatal capitalista, como elemento de contradição
no MST, tendo em vista que esse Movimento luta pelo socialismo. O local de
pesquisa foi a Escola Municipal Emliano Zapata, situada no Assentamento
Cangussu, município de Barra do Choça, BA. Para tanto buscou identificar os
instrumentos da burocracia estatal capitalista existentes na referida escola;
analisar se a gestão implementada na escola é autoritária ou democrática, e
descobrir quais os desafios e conflitos vivenciados pelo gestor da educação no
MST, uma vez que ele faz os papéis de diretor/coordenador junto à burocracia
estatal (Secretaria Municipal de Educação), onde predomina o capitalismo, e de
militante junto ao setor de educação do Movimento, cuja predominância é o
socialismo. O caminho escolhido foi, a partir do referencial teórico weberiano
e marxista, fazer uma revisão de literatura com autores que tratam das
categorias analíticas do tema, a saber: burocracia, movimentos sociais,
democracia e gestão. As reflexões com base nos pressupostos teóricos e nos
dados coletados levou a concluir que a gestão educacional do MST é
democrático/participativa, com especificidades próprias voltadas para o
objetivo de implementar a proposta pedagógica do Movimento tendo em vista uma
pedagogia socialista. As características predominantes são a autonomia e o
trabalho coletivo. A partir do marco conceitual do que é tido como burocracia nos estudos realizados
durante a pesquisa, ficou claro que a forma de organização, coordenação e
sistematização do MST não se encaixa nesse termo. Por isso, entendeu-se como
necessário criar uma nomenclatura para essa forma de estruturação, a qual foi
denominada de Racionalidade Coletiva
nessa pesquisa.
Palavras-chave: gestão, Movimento Sem Terra, burocracia.
Nesse trabalho estudou-se
o MST destacando-o como um movimento social do campo, categoria definida
analiticamente por Melucci (1989, p.57) como uma forma de ação coletiva (a)
baseada na solidariedade, (b) que desenvolve um conflito, (c) e rompe com
limites do sistema em que ocorre a ação. Observa-se
que o MST é uma organização gestada no seio da classe trabalhadora, em busca da
cidadania negada pelo capitalismo moderno, sendo que este Movimento tem sentido
a necessidade do uso da burocracia, por meio de instrumentos de poder e controle
e como mecanismo de legitimidade das ações que dependem do aparato estatal
capitalista.
Sendo
assim, a pesquisa teve algumas questões a serem respondidas: Como a gestão
educacional do MST concilia a utilização dos instrumentos burocráticos do
Estado, com os político-ideológicos da organização Sem Terra, uma vez que a
burocracia é um elemento de controle e poder hierarquizado do capitalismo
individualista, e este Movimento Social luta pelo socialismo voltado para a
coletividade? Quais os instrumentos burocráticos utilizados nas escolas do MST?
Qual o tipo de gestão educacional implementada pelo MST na Escola Municipal
Emiliano Zapata?
Os objetivos perseguidos durante
a pesquisa foram: Analisar a gestão educacional nas áreas de assentamentos e
acampamentos dos Sem Terra, sob o enfoque da burocracia estatal capitalista,
como elemento de contradição dentro desse movimento social, tendo em vista que
o MST luta pelo socialismo; analisar a burocracia estatal, como instrumento do
sistema capitalista, e seus desdobramentos na gestão educacional do MST;
Identificar os instrumentos burocráticos utilizados na gestão educacional do
MST, e se estes são utilizados como mecanismos de controle e poder; Verificar
como a gestão educacional do MST se relaciona com a burocracia (Estado), no
caso, as definições burocráticas da Secretaria Municipal de Educação de Barra
do Choça, BA, de forma que não a impeça de atingir os seus objetivos de
formação; Identificar qual o tipo de gestão educacional implementada no MST, e
se há coerência entre a gestão e a pedagogia proposta.
Para o desenvolvimento desse estudo, optou-se
pela pesquisa qualitativa com análise descritiva. Nessa dimensão, afirma
Martins (2002, p. 58): Na pesquisa qualitativa, uma questão metodológica
importante é a que se refere ao fato de não se poder insistir em procedimentos
sistemáticos que possam ser previstos em passos ou sucessões como escada em
direção à generalização. A
pesquisa qualitativa envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no
contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo
do que o produto e se preocupa em retratar as questões relacionadas à escola.
Para análise dos dados, estes tiveram como referência a metodologia
dialética visto que “a dialética é o pensamento crítico que se propõe a
compreender a “coisa em si” e sistematicamente se pergunta como é possível chegar à compreensão da realidade” (KOSIK,
1997, p. 20). E, ainda, conforme
descreve Lakatos (1991, p. 101), para a dialética, as coisas não são analisadas
na qualidade de objetos fixos, mas em movimento: nenhuma coisa está “acabada”,
encontra-se sempre em vias de transformar, desenvolver; o fim de um processo é
sempre o começo de outro. Utilizou-se da teorização, frente à realidade posta,
para compreendê-la, sempre confrontando e analisando aspectos empíricos,
históricos, ideológicos, sociais, entre outros, em busca de interpretar o
objeto de estudo em sua totalidade.
Na pesquisa de campo, os dados foram coletados por meio da observação, de
entrevistas semi-estruturadas (GIL, 2002). Nesse caso, prima-se pelo
“observador participante” o qual na perspectiva de Ludke & André desempenha
um papel em que
a identidade do pesquisador e os objetivos do estudo
são revelados ao grupo pesquisado desde o início. Nessa posição, o pesquisador
pode ter acesso a uma gama variada de informações, até mesmo confidenciais,
pedindo cooperação ao grupo. Contudo, terá em geral que aceitar o controle do
grupo sobre o que será ou não tornado público pela pesquisa (1986, p. 18).
O processo de
observação direta foi sistematizado mediante o uso do diário de campo, evidenciando,
desta maneira, a atuação dos gestores, professores e o trabalho com os estudantes. A entrevista semi-estruturada
se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente,
permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações (idem).
Adotou-se
também, para a coleta de dados, fontes documentais. Foram consideradas fontes
documentais nessa pesquisa os planos de aula, legislação acerca de assuntos
educacionais relacionados direta ou indiretamente com a problemática, tais como
portarias e resoluções da Secretaria Municipal de Educação, documentações da
secretaria das escolas, diário de classe, ata de reuniões, proposta de educação
do MST, atas, projeto político pedagógico da escola pesquisada, entre outros. Guba e Lincoln (1981) apresentam uma série de
vantagens para o uso de documentos na pesquisa ou na avaliação educacional. Em
primeiro lugar destacam o fato de que os documentos constituem uma fonte
estável e rica. Persistindo ao longo do tempo, os documentos podem ser
consultados várias vezes e inclusive servir de base a diferentes estudos, o que
dá mais estabilidade aos resultados obtidos.
As entrevistas foram elaboradas, objetivando
investigar os princípios político-pedagógicos do MST, a metodologia de sala de
aula, a formação dos professores, as concepções teórico-metodológicas adotadas,
entre outras questões, para análise das contradições de gestão escolar. Para
compreender melhor o funcionamento da gestão escolar foram envolvidos na
pesquisa: professores, pais, alunos, direção escolar, coordenação escolar,
secretário (a) escolar, e direção e coordenação regional e estadual e nacional
do MST.
Discutindo sobre o tema...
A concepção de gestão como um
conjunto de ideias estruturadas é recente. Data da primeira metade do século
XX, tendo dentre os precussores modernos, sociólogos, administradores e
psicólogos. Dentre os primeiros, destaca-se Weber que foi quem primeiro estudou
a organização do trabalho de forma burocrática, por meio do qual o processo
racionalizador é que se orienta a ajustar os meios com os fins que se tem dado
a essa organização (WEBER, 1976).
Discutindo a questão da gestão no âmbito escolar, Oliveira
(2002, p. 8) afirma que há um entendimento tácito entre os pesquisadores da
área, de que “gestão” seria um termo mais amplo e aberto que administração,
pois o referido termo implica participação e, portanto, traz a marca política
da escola.
Observa-se também a utilização do termo gestão como processo
dentro da ação administrativa, como também em outras ocasiões seu uso denota
apenas a intenção de politizar a ação administrativa. O que se percebe é que há
uma reação ao termo administração da educação, como consequência da forma
descomprometida, “neutra” e tecnicista como ela se desenvolveu na década de
1970, trazendo consequências muito negativas à prática social da educação,
gerando todo um movimento de reação e de mudança em sua concepção e prática
(BORDIGNON, 2005, p. 147).
A
gestão da educação no MST está totalmente imbricada às questões sociais e
culturais pelas quais perpassam os sujeitos, sendo construída a partir da
própria história, por isso, denominada por Caldart (2004), como a “Pedagogia em
Movimento”.
Assim, o MST se caracteriza como comunidade humana que possui
seu jeito próprio de fazer a educação acontecer, tendo elementos que extrapolam
o espaço escolar, e constituindo outros instrumentos como espaço educativo, os
quais refletem a maneira de ser, pensar e agir do Sem Terra, como as marchas,
as assembleias, as reuniões de brigadas nos assentamentos e acampamentos, as
ocupações, dentre outras.
Nessa perspectiva, é possível afirmar que educação não se
restringe aos muros da escola, mas estende-se a todos os processos de
aprendizagem gerados pela experiência vivida na luta organizada, independente
dos espaços formais, informais, governamentais, não-governamentais. Ela é um
fenômeno natural (com graus distintos de intencionalidade), espontâneo e
aleatório; é uma prática social que é adquirida em muitos espaços e momentos
educativos, nas relações sócio-culturais, no trabalho de formação da
consciência, nos saberes sociais (OLIVEIRA, 2005, p. 37-38)
Caldart (2004) informa que a gestão
da educação no MST é feita a partir da “ocupação” [3] da
escola pela comunidade escolar, com vistas à democratização da gestão escolar e
a apropriação dos espaços públicos pelos setores populares, e ainda, a um
projeto social que se coloque além do capitalismo e se situe no embate das
lutas de classes (MARTINS, 2008, p. 2). Acredita-se que, dessa forma, está
exercendo uma gestão desburocratizada.
Para pensar nessa forma de educação diferente, foi preciso
gestar uma proposta de educação específica, construída de forma coletiva com os
educadores, bem como buscar mecanismos para garantir uma formação inicial e
continuada aos professores, o que levou o grupo, nas discussões do coletivo de
educação, criar os princípios filosóficos[4] e
pedagógicos do Movimento. Esse material pedagógico foi sistematizado pelo
Coletivo Nacional de Educação do MST, criado em 1990, e tem como arcabouço
teórico a concepção de educação transformadora de Paulo Freire, Pristrak,
Makarenko. O objetivo central é a formação humana e a conscientização mediante
reflexão de sua prática social, tendo o trabalho como princípio educativo,
sendo que essa prática social passa a ser a matriz geradora de conteúdos,
metodologias e debates educacionais (SOUZA, 2006, p. 216).
Assim, a gestão democrática, proposta para acontecer em
escolas de assentamentos e acampamentos, tem como princípio a autogestão, pois
prima por ter autonomia em relação ao Estado no que se refere a elaborar
programas, métodos e técnicas para serem desenvolvidos nas escolas. Para Souza (2006,
p. 218),
é uma prática estimulada pelo MST com o intuito de construir uma
escola e um ensino a partir das demandas sociais. A autogestão traz em sua
prática a necessidade de superação das relações de poder na escola. (...) Nesse
sentido, a escola com a participação efetiva da comunidade cobrando, através da
administração escolar o cumprimento das responsabilidades do Estado, rompendo
com as relações de poder vertical entre este e a sociedade.
A escola que serviu de objeto de estudo dessa pesquisa fica
localizada no município de Barra do Choça – BA. Este município situa-se a 500
km de Salvador, capital do Estado. Sua população é de aproximadamente 32.419
habitantes, conforme previsão do IBGE para o ano de 2009, e possui uma área de
718, 3 k². A economia predominante é o café, responsável por 83% da produção,
seguida de feijão, milho, mandioca, pecuária leiteira e de corte, além de
apicultura.
O sistema municipal de educação compreende secretaria de
educação, coordenações, departamentos, chefias de divisão, assessorias e
escolas. Adota-se a definição de Martins ((2008, p. 42) para compreender a
definição de sistema de educação, na qual este é visto como o resultado da
educação sistematizada, que se desenvolve conscientemente a partir dos
problemas da situação, cujas causas devem ser identificadas por meio de um
conhecimento contextual, e segundo uma teoria educacional estabelecida.
No que se refere à organização da gestão da educação do MST na
regional Sudoeste da Bahia, onde está a escola pesquisada, a educação se fez
presente desde a fase de acampamento. Porém, apesar de as escolas estarem
organizadas com base na burocracia estatal, todas mantêm vínculo
político/ideológico com o Coletivo de Educação do MST.
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Observa-se uma disposição
hierárquica, ainda que em forma de coletivos, dividida da seguinte forma:
Direção Estadual, Coordenação Estadual, Direção Regional, Coordenação Regional,
Coletivo Regional, Coordenações de Áreas, o que caracteriza a presença de uma
“burocracia diferenciada”, pois há submissão de uma instância sobre a outra, em
escala decrescente, porém, com horizontalizalização entre os coletivos para
decidirem os trabalhos a serem executados por todos. É importante salientar que
cada grupo está intrinsecamente conectado ao outro, seja no diálogo ou na
realização conjunta de tarefas. A direção e coordenação regionais dialogam com
a direção e coordenação estadual e trazem as deliberações para o coletivo
regional, que por sua vez passam o que ficou decidido para as coordenações de
área. E tais coordenações fazem os encaminhamentos junto ao coletivo da escola.
Assim, o coordenador de área (gestor[5])
do MST deve observar as determinações do que é discutido no movimento, e também
participar das reuniões e decisões das secretarias municipais de educação.
Nessa dualidade de espaços, muitos conflitos são vivenciados, pois a pedagogia
educativa do MST, conforme sua proposta pedagógica, é socialista, dicotomizando
quanto aos fins e meios da burocracia estatal (Secretarias Municipais de
Educação - SEMED) que está inserida no sistema capitalista.
Tais conflitos são referentes à aceitabilidade por parte das Secretarias
Municipais de Educação (SEMED) quanto à implementação da proposta de educação
do Movimento e também sobre a escolha do quadro profissional para atuar em tais
escolas, porque, geralmente, as SEMED têm uma relação de professores
concursados ou selecionados com base em portarias ou editais. Porém, nem sempre
os profissionais que se encontram na sequência das listas apresentam o perfil
de profissional para assumir funções em escolas de assentamentos, porque nem
todos coadunam com os objetivos político/ideológicos do MST. E quando isso não
acontece acaba implicando na implementação da proposta educacional do
Movimento. Outro conflito é quando existe opinião formada negativamente dos
secretários municipais e equipes de trabalho das SEMED sobre o MST, o que acaba
dificultando a legalização das escolas nos assentamentos e o acesso aos recursos
humanos e financeiros para as escolas.
Vale ressaltar que essas coordenações de área são pessoas
indicadas pelo MST e que são militantes ou ativistas dentro desse movimento
social. E como nesse caso está assumindo uma função burocrática pública, pois
para as SEMED eles são os gestores, então, terminam exercendo o papel de
burocrata estatal e ao mesmo tempo, deixando transparecer a sua militância nos
dois espaços.
Gestão da Escola
Municipal Emiliano Zapata sob a ótica do MST - esse nome foi dado para a
escola em homenagem ao mexicano Emiliano Zapata que lutou em prol da classe
trabalhadora. Para o Movimento, esse nome é mais valorizado do que o nome
oficial de escola – Escola Municipal São José - porque representa um nome de
militância e dedicação ao povo. De acordo com o estudo feito por Honorato isso
fica bem evidenciado:
Para o
Movimento a escola se chama Escola Municipal Emiliano Zapata, nome este em
homenagem ao líder Zapatista Mexicano. Como é o setor de educação do MST que dá
as linhas político-pedagógica e administrativa da escola, todos os educandos,
bem como os educadores reconhecem a escola com o nome do revolucionário
Zapatista (HONORATO FILHO, 2006, P. 62).
A gestão cumpre determinações do MST no sentido de tentar
fazer com que aconteça a implementação da proposta pedagógica e realiza
reuniões com todo o grupo da escola, sempre no coletivo. A escola tem a seguinte
estrutura organizacional na qual todos fazem parte do seu coletivo pedagógico:
Coordenação de área:
articula as questões político/ideológicas e pedagógicas do MST com as questões
administrativas e pedagógicas oficiais, organiza as reuniões de planejamento, é
responsável pela parte burocrática da escola junto aos órgãos da burocracia
estatal, estabelece parceria da escola com a comunidade, cuida da implementação
da proposta pedagógica do Movimento na área de sua responsabilidade, participa
das reuniões do coletivo de educação e faz com que as determinações deste
aconteçam na escola.
Secretária escolar:
cuida da parte documental e auxilia a coordenação de área nas questões
pedagógicas e de disciplina dos alunos.
Educadores: lidam
diretamente com os educandos fazendo o trabalho de mediadores do conhecimento.
Articulam o currículo escolar formal com os objetivos pedagógicos e
políticos/ideológicos do MST.
A coordenação de área passa por algumas dificuldades para
realizar o seu trabalho de mediação entre MST e SEMED, pois em conversa com a
coordenadora da referida escola sobre o seu relacionamento com a Secretaria
Municipal de Educação, a resposta foi: “Sempre nas reuniões ou atividades
desenvolvidas pela SEMED, ou somos avisados quando a reunião já está
acontecendo ou não somos avisados. Dificilmente a comunicação chega antes”
(anotações do diário de campo em 09/04/10). Retrata, assim, a forma de
tratamento dispensado pela SEMED à gestão da referida escola, o qual parece ser
de descaso.
A gestão e a formação
político/pedagógica: a formação política está ligada à formação da
consciência política das pessoas que fazem parte de uma organização (BOGO, 2008,
p. 31). Uma das preocupações da gestão no MST é que a educação extrapole o
âmbito formal e burocrático, e aconteça também em outros espaços educativos,
como: marchas, mobilizações, assembleias, e que seja relacionada à história do
próprio Movimento e da sociedade.
A formação política tem tanta importância para o Movimento que foram
instituídos setores responsáveis para realizá-la: o setor de educação e o setor
de formação. O objetivo do setor de formação é posibilitar uma formação
sociopolítica aos “Sem Terra”, fazendo-os compreender o sistema capitalista, as
razoes históricas da situação dos trabalhadores, as alternativas ao modelo
político e econômico vigente, etc. (MORISAWA, 2001, p. 205). Atualmente, o
local de realização da formação política de lideranças dos Sem Terra tem sido a
Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF)[6]
que surgiu com o propósito de fazer pensar, planejar, organizar e desenvolver a
formação política, técnica, ideológica dos militantes e dirigentes do Movimento
(MST, 2005).
No setor de educação o
trabalho está relacionado à implementação de uma proposta pedagógica de base
marxista voltada para os valores humanistas e socialistas, tendo como norte os
princípios pedagógicos e filosóficos do Movimento. Observando os materiais
pedagógicos produzidos pelo setor de educação do Movimento, constata-se nos
referenciais teóricos a presença de intelectuais marxistas a exemplo de Antonio
Gramsci, Mao Tse-tung, Engels, Rosa Luxemburgo, Pristrak, György Lucácks, Karl
Kaustky, Lênin, Kollontai, Paulo Freire, Anton Makarenko, José Martí, dentre
outros. Encontramos a ideologia do Movimento sistematizada em seu projeto
político pedagógico, onde se lê:
“... um processo pedagógico que se assume como político, ou seja, que
se vincula organicamente com os processos que visam a transformação da sociedade atual e a construção, desde já, de
uma nova ordem social, cujos pilares principais sejam, a justiça social, a radicalidade democrática e os
valores humanistas e socialistas”.
(Cadernos do MST, 1995, p.6.)
Assim, o gestor do MST deve ser um militante com preparo político e
técnico para fazer com que essa formação político/pedagógica nas áreas de
assentamentos aconteça tendo como referência a qualificação de pessoas para a
intervenção social. O que só é possível por meio de uma educação que estimule a
criticidade, a participação social e a preocupação com a formação integral dos
educandos. Para tanto, faz-se necessário que os elementos pedagógicos como:
conteúdos, planejamento, metodologia e currículo, sejam voltados para o alcance
de tais objetivos. Nesse sentido, vale a pena analisar o que cada um desses
elementos representam para a comunidade escolar pesquisada, tendo em vista que
estão relacionados com a forma de gerir a escola, que se constitui como objeto
desse estudo.
Vale ressaltar que, de acordo com o setor de educação do MST, todo o
processo pedagógico deve ser elaborado de forma conjunta pelo coletivo de
educação de cada assentamento. E é de responsabilidade do gestor acompanhar e
coordenar esses momentos, nos quais a burocracia se faz presente através da
formalização dos planejamentos e da sistematização dos conhecimentos, que serão
cobrados, posteriormente, classificando os alunos por meio das notas.
a) conteúdos: de acordo com a
orientação do setor de educação, os conteúdos devem levar em consideração os
princípios educativos do Movimento, ou seja, a relação com a terra, o trabalho,
a produção das relações sociais da comunidade, a coletividade, a cultura,
partindo da própria realidade. Leva em conta o trabalho com os temas geradores
da pedagogia freiriana. No caso da escola pesquisada, observa-se, de acordo com
os entrevistados que há um esforço da gestão no sentido de implementar tal
proposta:
1 - A escola trabalha sobre os transgênicos e a
importância dos alimentos orgânicos. Porque principalmente a gente ta comendo
os alimentos saudável, saber como são as coisa, como tomate, maçã, estão tudo
contaminado com transgênico. Aqui não por que é tudo coisa orgânica, a gente
trabalha plantando, cuidando, essas coisa toda, até se precisar de alguma
coisa, já pode comer por que não tem nada a ver, já os outros não... (MARIA
NEIDE, ALUNA DA EJA).
2 - Na parte de História eu sinto que pede para você
fazer uma contextualização do conteúdo de História com a realidade social, no
caso do assentamento, do educando, e no caso de você tentar desenvolver nesses
alunos essa forma de pensamento coletivo que é a educação do MST (PROFESSOR
JOÃO – ENSINO FUNDAMENTAL).
Observa-se, então, na primeira fala, que existe realmente uma preocupação
em trabalhar os conteúdos vinculados à realidade e às questões sociais,
desenvolvendo a criticidade, além de um currículo que busca atender as
especificidades do homem do campo, e na segunda, nota-se que os professores
tentam implementar uma pedagogia que supere os valores negativos do capitalismo,
como individualismo e a acomodação, introduzindo valores socialistas pautados
no companheirismo, solidariedade e consciência organizativa.
b) planejamento: o
planejamento organizado pela gestão educacional do MST vai além da preparação
de aulas, como às vezes é entendido. Ele tem a ver com o conjunto de atividades
desenvolvidas pela escola. E mais, com a intervenção na realidade que a escola
vai adotar. (...) Acontece de forma coletiva, combinando participação e divisão
de tarefas. (Caderno de Educação, nº 06, 1995, p. 7). Ainda de acordo com a
proposta pedagógica do MST o planejamento deve acontecer com a participação da
comissão de educação do assentamento, representantes dos pais, dos educandos e
de educadores. Por isso, quando um educador começa a trabalhar no MST, acha
diferente a forma de planejar, que muitas vezes estava acostumado com a
elaboração de aulas, como pode-se observar nas falas abaixo com base em
anotações do diário de campo da observação participante feita em uma reunião de
planejamento da escola pesquisada:
“todo educador quando entra no MST passa por uma
reeducação, começa a ver a educação de outra forma, tem uma liberdade para
discutir, e na educação tradicional não tem essa oportunidade” (PROFESSOR
PEDRO- ENSINO FUNDAMENTAL).
“Aqui nós temos mais o que aprender do que o que
ensinar” (PROFESSOR MOISÉS – ENSINO FUNDAMENTAL).
Outro aspecto a ser ressaltado é
que, na reunião de planejamento em que a pesquisadora estava presente, não
houve participação de todos os segmentos da comunidade escolar, contando apenas
com a participação dos educadores, da gestora e da secretária escolar, na qual
foi definida a agenda do planejamento de datas comemorativas e projetos pedagógicos,
da participação em atividades específicas do MST e informes da SEMED. É importante destacar que todos os itens
discutidos foram colocados em votação pela gestão, e todos os presentes puderam
opinar. Assim, observa-se que a prática democrática e participativa nas
reuniões de planejamento compostas de todos os segmentos, como está explícito
na proposta do MST, não acontece, bem como o planejamento com base na realidade
de cada comunidade, pois de acordo com a coordenação de área[7] da
escola (gestão) e a coordenação regional, existe um planejamento prévio antes
do que acontece na escola para tirar as linhas do que vai ser planejado em cada
assentamento.
A gente trabalha no coletivo, então assim, até os
nossos planejamentos, as linhas gerais que a gente chama, as linhas gerais do
próprio setor, a gente faz as linhas pra todas as escolas, e aí, a partir
dessas linhas gerais, a gente constrói o PPP de cada escola, e através desse
PPP a gente consegue fazer nossos planejamentos da nossa escola. Então, assim,
a coisa é ligada sempre à outra. Geralmente em datas comemorativas, assim nesse
sentido maior a gente procura sempre fazer uma coisa conjunta, celebra tudo
numa mesma época pra gente não ficar, até porque os próprios professores, eles
se conhecem, se comunicam, pra não dizer: na minha escola aconteceu tal
coisa... Então a gente acaba fazendo as coisas, trabalhando nessa questão mesmo
bem coletiva pra não ter choque na programação nossa (KATIARA, COORDENADORA
REGIONAL DO SETOR DE EDUCAÇÃO).
Coincidindo com a fala da coordenação regional, a coordenadora de área
(gestora) da escola pesquisada observa:
Existe o setor de educação, onde este setor é composto
por diversas pessoas, que compreende diversas outras escolas, desde o município
de Vitória da Conquista à Divisa que a gente chama, que são as escolas de
Ribeirão do Largo, Cordeiros, e esses outros municípios, Iguaí, Barra do Choça,
então essas pessoas se reúnem e sentam e planejam o que vai acontecer nas
escolas de assentamento, levando em consideração a realidade de cada um dos
assentamentos (IDAIANE SALES, COORDENADORA DE ÁREA).
Quando interpelada se existe a participação dos outros segmentos no
planejamento da escola, a coordenadora ressalta:
Não. A gente tira essas definições e aqui leva a
proposta para a comunidade, onde lá no assentamento existe a coordenação do
assentamento, que representa a comunidade, aí eles analisam se acrescenta mais
alguma coisa, ou se há alguma coisa que não convém estar aplicando, e aí,
decide junto, levando para os educadores e educandos, aí sim, ela é aplicada (IDAIANE
SALES).
Nesse caso, observa-se a presença da democracia representativa quando
algumas pessoas da comunidade decidem, em nome de todos os assentados. Porém,
conforme dito anteriormente, isso não foi comprovado na pesquisa empírica.
c) metodologia: de acordo com
a proposta pedagógica, o MST tem como elementos fundamentais o trabalho com
temas geradores, cujo objetivo é partir da realidade dos educandos, tentando
superar as situações-limites apresentadas nos assentamentos, fazendo com que os
conteúdos apareçam de forma contextualizada e interdisciplinar. Outro aspecto é
a integração teoria-prática para que haja o domínio da técnica e da teoria, e
que essa teoria possa ser transformada em conhecimento científico a partir da
prática e da necessidade da comunidade. Leva-se em consideração também a
preocupação com a formação de sujeitos questionadores, capazes de manifestar opiniões próprias, e o professor deve ser o
mediador do conhecimento, educando-se coletivamente. É o que fica evidencido na
entrevista com a aluna da 8ª série: “Existe uma diferença das outras escolas
para as escolas de assentamento. Que nas outras escolas professor é professor,
aluno é aluno, aqui, professor se torna amigo do aluno...” (KELLY PEREIRA).
d) o currículo: no currículo
predomina a base nacional comum de caráter obrigatório, porém, na parte
diversificada observa-se a presença de disciplinas voltadas para o
desenvolvimento de valores coletivos e também de estudos voltados para o campo.
Assim, percebe a garantia dos direitos expressos na LDB 9394/96:
Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma
base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da
clientela.
Na parte diversificada, o movimento trabalha com a
disciplina de Cooperativismo, cujo objetivo é ensinar noções de cooperação, bem
como preparar os educandos para trabalhar nas cooperativas dos assentamentos.
As questões voltadas para a educação do campo são trabalhadas de forma
interdisciplinar, conforme se observa nos trechos das entrevistas abaixo:
1- A escola do movimento ensina a trabalhar com horta, com plantação...
(MARIA NEIDE, ALUNA DA EJA).
2 - A proposta é trabalhar com conhecimentos diferentes, trabalhar
com conhecimentos do lugar onde vive, é diferente de outras escolas porque aqui
no assentamento ele convive com essa realidade, está o tempo todo em contato
com ela... (JOANA, PROFESSORA DO ENSINO FUNDAMENTAL).
3 - A gente estuda muito sobre cooperação... Sempre tem muita
cooperação no Movimento (...) pelo jeito de trabalhar e com criatividade. A
gente nunca deve estar sozinha porque a gente sozinha não é nada (KELLY
PEREIRA, ALUNA DA 8ª SÉRIE).
Tem-se
a presença do currículo formal, expresso por meio dos planos de curso,
sistematizados em forma de conteúdos, mas é importante salientar também a
existência do currículo oculto no qual se expressa todas as subjetividades dos
sujeitos, e também, a questão político/ideológica do MST contida nas místicas,
nos símbolos, nos gestos, na memória construída no dia-a-dia do assentamento
que reflete no ambiente escolar.
Para prosseguir a luta pela transformação da
sociedade o MST propõe uma educação diferenciada que leva em conta valores
políticos, pedagógicos, ideológicos e culturais com vistas a atingir tal
objetivo. Porém, para isso, é preciso que este movimento social tenha nos seus
assentamentos o uso da burocracia estatal, que se faz presente por meio da
educação como política pública, para, assim, cumprir o direito constitucional
de que o Estado garanta a cidadania do seu povo. Se os assentados são cidadãos
brasileiros e pagam impostos, é obrigação do Estado brasileiro garantir a
implementação das políticas publicas nas localidades onde eles moram.
Entretanto,
essa burocracia estatal também está presente nas áreas de assentamentos dos Sem
Terra na forma de repressão e coerção policial, agindo como um braço do Estado
para desarticular a luta dos trabalhadores em favor da classe dominante como
relata Marx. No que se refere à luta pela terra, ao mesmo tempo em que os
trabalhadores lutam contra o Estado que favorece os latifundiários, lutam
também para que esse mesmo Estado garanta seus direitos, utilizando como
instrumento burocrático o Estatuto da Terra.
O que diferencia o MST dos demais movimentos
sociais é a sua forma de lutar com características de movimento popular em que
abarca todos: homens, mulheres, crianças, anciãos (FERNANDES, 2000, p. 84).
Nesse sentido, essa é uma forma de fazer a educação acontecer, pois se todos
estão incluídos nesse processo educativo de resistência popular, vão
verificando que a aprendizagem ocorre não só em espaços escolares, mas também
nas marchas, nas reuniões, nas discussões de encontros nacionais e estaduais,
nos seminários, assembléias, dentre outros. Essa educação “diferente” colocada
por Caldart (2004), redunda obviamente na forma de gestão, que precisa ser mais
política e envolvida com as causas do povo SemTerra, ou seja, militante.
Entretanto, a burocracia estatal necessita de
um gestor nas escolas de assentamento que faça cumprir portarias, decretos,
leis, que sirvam para regulamentar as escolas nos moldes do estado capitalista,
constituindo assim, um dos maiores dilemas enfrentados por esses gestores, cujo
papel a desempenhar dentro dos assentamentos é o de alguém que coordena a
educação e exerça a militância ao mesmo tempo com base nos pressupostos de uma
pedagogia socialista. Com base na revisão de literatura e na fonte documental
analisada na escola pesquisada é possível verificar algumas diferenças entre a
burocracia que existe no âmbito da burocracia estatal e do MST, tendo como base
Santos (2010):
BUROCRACIA WEBERIANA (capitalista)
|
BUROCRACIA NO MST (socialista)
|
1.
Precisão na definição do cargo e na operação, pelo conhecimento exato dos
deveres.
|
A definição dos cargos acontecem nos encontros e
são sugeridos pelas direções, podendo ser aceitos ou não.
|
2.
Rapidez nas decisões, pois cada um conhece o que deve ser feito e por quem e
as ordens e papéis tramitam através de canais preestabelecidos.
|
As decisões demandam reuniões para discussão nos
coletivos, e quando for o caso, em assembléias nos assentamentos, com divisões
de tarefas de acordo com as aptidões à cada tarefa realizada.
|
3.
Univocidade de interpretação garantida pela regulamentação específica e
escrita. Por outro lado, a informação é discreta, pois é fornecida apenas a
quem deve recebê-la.
|
As decisões não são formalizadas por meio de
regulamentos, e são tomadas em grupo.
|
4.
Uniformidade de rotinas e procedimentos que favorece a padronização, redução
de custos e de erros, pois os procedimentos são definidos por escrito.
|
Não há rotinas, formalizações ou padronização
porque o trabalho segue a dinâmica do Movimento que é dialético, havendo
sempre mudanças de acordo com o processo histórico.
|
5.
Continuidade da organização através da substituição do pessoal que é
afastado. Além disso, os critérios de seleção e escolha do pessoal baseiam-se
na capacidade e na competência técnica.
|
Os critérios de seleção e escolha baseiam na
aceitação dos valores político/ideológicos difundidos pelo MST e na formação
conforme a função a ser ocupada.
|
6.
Redução do atrito entre as pessoas, pois cada funcionário conhece aquilo que
é exigido dele e quais são os limites entre suas responsabilidades e as dos
outros.
|
Os atritos são resolvidos com base no diálogo e
nas avaliações em grupo.
|
7.
Constância, pois os mesmos tipos de decisão devem ser tomados nas mesmas
circunstâncias.
|
As decisões devem ser tomadas de acordo com a
conjuntura de cada momento, sempre levando em consideração a coletividade.
|
8.
Subordinação dos mais novos aos mais antigos, dentro de uma forma estrita e
bem conhecida, de modo que o superior possa tomar decisões que afetem o nível
mais baixo.
|
Não existem relações de subordinação a chefes, e
sim cumprimento de definições que foram tomadas de forma coletiva.
|
9.
Racionalidade e sistematização dos dados
|
No que se refere à educação há também
racionalidade e sistematização dos dados escolares dos alunos e a presença de
uma autoridade representada pelo coletivo do setor de educação
|
9.
Confiabilidade, pois o negócio é conduzido de acordo com regras conhecidas,
sendo que grande número de casos similares são metodicamente tratados dentro
da mesma maneira sistemática. As decisões são previsíveis e o processo
decisório, por ser despersonalizado no sentido de excluir sentimentos
irracionais, como o amor, raiva, preferências pessoais, elimina a
discriminação pessoal.
|
Não há impessoalidade, pois as definições do
cumprimento de tarefas varia a cada nova atividade, dependendo do nível de
conhecimento e habilidade de cada um, e há uma relação de solidariedade,
respeito e cooperação.
|
10.
Existem benefícios sob o prisma das pessoas na organização, pois a hierarquia
é formalizada, o trabalho é dividido entre as pessoas de maneira ordenada, as
pessoas são treinadas para se tomarem especialistas em seus campos
particulares, podendo encarreirar-se na organização em função de seu mérito
pessoal e competência técnica.
|
Não existe uma carreira estabelecida nas funções,
pois estas são temporárias e dependem das definições de cada encontro feito
para avaliar os quadros. No caso da educação que exige formalização, estas
formalidades existem apenas no âmbito da burocracia estatal para efeitos de
legalização escolar. Porém, para o MST, o gestor é um coordenador militante
que ajuda na tarefa de fazer a educação acontecer.
|
No que se refere à análise das categorias a autonomia foi uma categoria bastante
mencionada tanto no âmbito dos sujeitos para com a escola, quanto da escola
para com a SEMED. A noção de autonomia não é estranha ao ideário neoliberal com
as suas políticas de descentralização de recursos, ou mesmo de relações no
contexto escolar.
Quando se trata de educadores o debate gira em torno das
questões profissionais, trazendo à tona aspectos da profissionalização e
proletarização com discussões acerca do trabalho docente. Outro aspecto
discutido é a autonomia das escolas quanto ao currículo escolar e as práticas
educativas. A devolução de competências às escolas públicas é a forma de
encomendar-lhes o desenvolvimento e a concretização dos planos administrativos,
de forma que possam ser adequados à diversidade social. Mas também, de acordo
com as novas tendências da inovação educativa, espera-se que as escolas
funcionem ainda como entidades com identidade própria, que gerem um sentimento
de pertença nos professores (CONTRERAS, 2002, p. 240). É nesse contexto que se
insere a autonomia discutida pelo MST, na qual os sujeitos possam assumir
responsabilidades em relação à educação, envolvendo em seus princípios e
práticas para que possam implementar a proposta de educação do Movimento.
Tratando da autonomia da gestão da escola pesquisada em
relação à SEMED, de acordo com a coordenação,
A gestão tem “autonomia” para com a proposta pedagógica do MST
porque nesse sentido existe um setor de educação do Movimento, onde a gente
sempre discute o que deveria estar sendo implementado nas escolas, e a gente
passa para a secretaria de educação uma vez que já existe uma conversa com a
secretaria, no sentido de que a educação nas escolas de assentamento é
diferenciada. (...) Eles não intervêm. A gente faz os planejamentos sem
intervenção da secretaria. Agora não é nenhuma relação que a gente possa dizer
que é 100%. Eles meio que olhando de lado. (IDAIANE SALES – COORDENADORA).
Observa-se que mesmo havendo discussão dos órgãos oficiais
para a descentralização da educação, o MST ainda tem uma certa dificuldade de
mantê-la. Para o secretário de educação, essa autonomia é garantida, porém, com
o controle da SEMED:
Nessa parte pedagógica nós sabemos que o Movimento tem
atividades que próprias da sua dinâmica, de seu funcionamento. E também ele
participa com a secretaria daquelas atividades como viagens, encontros,
palestras que são realizadas e também essas atividades que são desenvolvidas
dentro da proposta pedagógica mas que existe uma concordância entre a
secretaria e o Movimento de forma que é atendido aquilo que é determinado, que
é proposta pelo município de uma forma que protege aquelas questões
particulares do município (MARCOS VIANA, SECRETÁRIO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO)
Quando se trata da autonomia no contexto interescolar, os
professores destacam a autonomia para realização dos planejamentos e atividades
da escola. Nesse sentido a professora Kelly ressalta:
O planejamento é diferenciado das outras escolas porque aqui
você vê realmente que nós não pegamos algo pronto, feito. Nós é que criamos.
(...) Serve para estar passando o que aconteceu na escola, o que está
acontecendo e algumas atividades para que a gente fique por dentro.
Apesar de que durante a realização da pesquisa de campo,
durante a observação na realização dos planejamentos não tenha sido notada a
participação da comunidade na realização deste, a coordenadora afirma que
existe autonomia na realização dos planejamentos com participação:
Não existe interferência da secretaria, só do Movimento. A gente
sempre discute os eventos que vão estar acontecendo. O que deveria ser
trabalhado nas escolas, como a questão da horta por exemplo. Então a gente leva
para o planejamento, onde a gente discute com a comunidade externa e com a
comunidade interna (IDAIANE SALES – COORDENADORA).
Outro aspecto de discussão da autonomia evidenciado na
pesquisa se trata da escolha dos funcionários para trabalhar na escola. Houve
uma luta do MST junto à secretaria municipal de educação de Barra do Choça,
onde fica a Escola pesquisada para que lá essa autonomia fosse garantida. Nesse
sentido, destaca a observação da dirigente regional, Katiara Figueiredo:
Nessa questão a gente tem muita dificuldade. Por exemplo: a
gente tem dificuldade na seleção de professores. Seria importante se a gente
pudesse fazer indicações. Então assim, esse ano a gente teve que passar por um
processo de seleção. A gente pediu que todos os professores que trabalhou com a
gente o ano passado participasse dessa seleção. Participaram pessoas que a
gente acreditava que passaria na seleção. Não passaram. Então assim, pessoas
que eram aqui do município de Conquista, por exemplo, e que assim, o currículo
é muito bom, a questão dos certificados, elas tinham muitos certificados, e ia
contar a questão de horas. Ia ser por título, e as que fizeram tinha muito
título. Não passaram por quê? E agora o próprio município de Barra corre o
risco de participar de uma greve por conta dessa seleção. Então assim, a gente
sente mais dificuldade nessa questão mais burocrática. Na questão mais
pedagógica a gente tem mais autonomia, de elaborar projetos, de elaborar PPP,
de elaborar atividades a gente consegue fazer isso bem (KATIARA FIGUEIREDO).
O fato de o Movimento querer fazer indicações, limitando a
participação das pessoas no processo democrático torna-se contraditório uma vez
que um dos objetivos do MST é lutar para a efetivação da democracia na
sociedade. Ou seja, pela justiça e a igualdade de direitos sociais. Quando
questionada sobre isso a dirigente respondeu:
O por quê que a gente indica os professores? Por que assim: nós
do movimento, além da pedagogia que a gente diz, a gente tem os cursos de
formação de educadores, desde o magistério, até a pedagogia, e a gente forma
esses professores. Então, o por quê que a gente indica? Por que são pessoas do
próprio movimento, filhos de assentados, alguns que já são filhos de
assentados, ou já moram no assentamento com assentados. Então assim: são
pessoas que se identificam com o aluno. Qual a nossa preocupação? É de qualquer
pessoa, professor que não conhece nada do Movimento, aqui a gente teve várias
experiências assim, de pessoas que não conhecem nada, que mal ficam, ficam um
mês, dois e quer ir embora por que não conseguem se adaptar ao acampamento, por
que não conseguem se adaptar à comunidade, e nem à própria escola, e nem à
pedagogia nossa. Então aí a gente indica pessoas do próprio município também
que a gente acaba fazendo indicação. Alguém que a gente percebe por exemplo,
tem fulano de tal, que consegue se identificar com algumas propostas do
Movimento, ou que se identificam com o assentamento. Então a gente faz essas
indicações, mesmo, então assim na Barra do Choça, esse ano a gente não fez
essas indicações, mas a gente quis participar do processo depois. Depois da
seleção, a gente participou da seleção dos professores que iriam para as
escolas, então assim, tinha professores que diziam pra gente: tem professores
que visitam a secretaria de educação, que estão indo pra lá, mas vão ser
professora que diz: “nem me invente nada, nem uma tarefa extra-escola, que eu
não vou fazer?”
Observando a última frase dessa citação é possível
compreender porque o MST prefere indicar os professores, contradizendo os
princípios de igualdade. Pois para implementar uma pedagogia com base em
valores socialistas, cujo objetivo seja a transformação social, é difícil tendo
em seu corpo de educadores pessoas que não estejam dispostas a realizar um
trabalho coletivo e que se dedique à questões político/ideológicas, como ele
propõe.
Sobre as indicações, o secretário municipal de educação do
referido município se assemelha à fala da dirigente, garantindo ao MST relativa
autonomia:
Até o ano de 2009 a escolha foi feita exclusivamente pelo
movimento com exceção de, como disse no início, com exceção de alguns professores
que são convidados pelo município, e já
são nomeados para a escola. Professores desses que alguns fazem parte do
movimento também. E esse ano a gente realizou uma seleção para a contratação de
professores e esses professores que já trabalhavam na escola puderam se
inscrever neste processo seletivo, já com o resultado da seleção nós chamamos
a coordenadora da escola e também do Movimento e permitimos a
participação na escola, mesmo passando por um processo seletivo, das pessoas
que fossem atuar o Movimento também sempre têm colocado aquelas pessoas que
após o processo de avaliação tenham ou não um perfil para trabalhar. E a gente tem o observado e respondido nesses pontos e
assim. Alguns profissionais foram chamados de acordo com o processo seletivo,
mas, eles vão passar por um processo de avaliação de adaptação no Movimento e
no período posterior a gente vai poder estar discutindo com o Movimento e atendendo dentro daquilo que a gente vai observar se vai corresponder
ao nosso jeito (MARCOS VIANA, SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO).
Nesse sentido, fica evidente a luta do Movimento contra a
burocracia estatal para garantir que a tão propalada descentralização prometida
pelos órgãos oficiais aconteça in loco,
não com o sentido de fazer com que aconteça o ideário neoliberal nos
assentamentos, mas aproveitando essa oportunidade para fazer uma educação
voltada para os interesses da classe trabalhadora.
Outra categoria que merece destaque é o trabalho coletivo, tendo aparecido em quase todas as entrevistas,
denotando que é algo realmente trabalhado no MST. Faz parte dos valores
trabalhados com o intuito de mudar a forma de entender a realidade, abandonar
as formas individualistas do capitalismo, e desenvolver uma consciência onde
todos devem se submeter ao coletivo.
No caso do dirigente, este fortalece a direção quando se
coloca à disposição do coletivo para cumprir as tarefas mais difíceis delegadas
pelo coletivo (BOGO, 1999, p. 123). Esse é um exercício difícil de fazer quando
as pessoas estão acostumadas a trabalhar de forma individual. Por isso, é
necessário um processo de formação e de mudança de consciência para atingir
esse patamar. Na Regional Sudoeste, espaço dessa pesquisa, a fala da dirigente,
confirma esse trabalho:
Então assim, a gente trabalha coletivo, a gente periodicamente
se reúne, e eu que faço o papel de ta dirigindo o setor na regional, eu sempre
estou em contato com a pessoa de Idaiane que coordena escola lá. Geralmente a
gente faz reunião lá com a própria comunidade, com os educadores e com o próprio
secretário de Barra do Choça. Então a gente fica interligado com o que está
acontecendo lá, por meio principalmente de reuniões (KATIARA FIGUEIREDO).
Caldart (2004, p. 179) afirma que esse é um aprendizado
importante que possibilita a passagem do que poderíamos chamar de uma ética do
indivíduo para uma ética comunitária, que depois poderá desdobrar em uma ética
do coletivo. Nesse sentido, o MST começa trabalhando com a solidariedade, a
socialização do que as pessoas têm, como alimentos, remédios, ou mesmo na ajuda
mútua no trabalho, como mutirões.
Dessa forma, há uma conscientização de que o indivíduo não
vive sozinho, e sim como ser de relações sociais que visem a produção e
apropriação coletiva de bens materiais e espirituais da humanidade (MST, 1997,
p.9). No caso da gestão, o trabalho coletivo está relacionado à participação.
Na gestão participativa tudo é decidido coletivamente, seja com
alunos, com os pais, com o educador. Todos participam de todas as decisões da
escola. Não sou eu por estar à frente da coordenação que vou decidir sozinha,
mas sim, junto com o grupo, coletivamente (IDAIANE SALES – COORDENADORA).
Assim, vai ficando claro o tipo de gestão implementada na
escola. O MST propugna uma gestão democrático/participativa que difere da que
está proposta na burocracia estatal. Caldart (2004) define-a como gestão da
ocupação da escola, na qual todo o processo acontece de forma coletiva, com a
ocupação da escola pela comunidade. No caso da escola pesquisada, essa
participação é percebida em algumas entrevistas:
A gestão da escola é assim: não somente trabalha com a escola,
mas sim com uma coletividade entre escola e comunidade. Não somente os daqui
que envolve, porque tem alunos de fora, e com toda a comunidade (PROFª KELLY).
Antes a gente tava fazendo as coisas da escola longe da
comunidade, e a escola estava afundando. Aí, quando a gente percebeu que desse
jeito não ia a lugar nenhum, e a escola sem a comunidade não vai, então nós
fizemos uma parceria, com a comunidade. Hoje a comunidade está dentro da
escola... (SR. ALVINO – ASSENTADO).
Com base nessas entrevistas, conclui-se que na escola
Emiliano Zapata acontece realmente a implementação da gestão de ocupação da
escola, ou democrático/participativa voltada para o trabalho coletivo.
À guisa da conclusão...
Assim, na pesquisa, algumas dificuldades e
desafios enfrentados pelos gestores de áreas de assentamentos ficaram
evidenciados, com destaque à gestão da referida escola:
1) A burocracia no processo seletivo de
professores dificulta a implementação da pedagogia do Movimento Sem Terra, uma
vez que a burocracia estatal às vezes envia para as escolas de assentamentos,
professores que não comungam dos objetivos do MST. Esses profissionais que não
tem uma formação para trabalhar com os valores do Movimento dificultam a
realização do processo político/ideológico da proposta.
2) A rotatividade da gestão e dos professores
dificulta a implementação da proposta e a continuidade dos trabalhos
pedagógicos. Quando os professores vão trabalhar nos assentamentos, o MST
inicia um trabalho de formação levando em consideração os seus princípios
filosóficos e pedagógicos. Porém, quando esses educadores não se adaptam, devem
sair para não emperrarem a implementação da proposta do Movimento. Saem também
quando, por motivos pessoais encontram outras alternativas de vida, causando de
certa forma, transtornos, pois geralmente seus substitutos também não tem
formação político/ideológica para trabalhar nessas escolas.
O mesmo acontece com a gestão. Quando o
coordenador/gestor precisa sair da sua função nos assentamentos, e o substituto
é do Movimento não tem muitos problemas. A situação se agrava quando os
secretários de educação responsáveis pelas respectivas escolas querem impor a
presença de outro gestor indicado pela SEMED. Observa-se que para trabalhar no
Movimento é necessário ter saberes específicos construídos no bojo da história
das lutas dos trabalhadores, por meio do caráter histórico da educação. Nesse
sentido, parafraseando Marx, observa Paro:
O ser humano ultrapassa
o mero domínio da natureza, no seio da qual nasce, na medida em que apropria da
cultura pela educação. É por meio desta que, no decorrer da vida, o ser humano
se diferencia cada vez mais da natureza e se transforma, em sua personalidade,
no ser humano-histórico, ou seja, no ser humano educado (PARO, 2007, p. 40).
O papel do gestor nas escolas de assentamentos é de
fundamental importância por ser o mediador junto aos órgãos da burocracia
estatal. Como “subordinado”, precisa atender as decisões administrativas,
pedagógicas e burocráticas decididas por quem muitas vezes não tem vivência com
os movimentos sociais do campo. Nesse sentido, o gestor de acordo com o MST,
deve ser muito comprometido com o projeto pedagógico que seja construído pela
coletividade da escola, e não com os projetos em forma de “pacotes prontos” nas
instituições escolares. Assim, esse gestor deve ter um perfil que leve em
consideração os seguintes elementos:
- capacidade de criar um ambiente educacional que tenha
respeito e afetividade;
- exercitar a cidadania junto com a comunidade;
- pensar no crescimento profissional e pessoal de todo o
coletivo da escola;
- ter uma relação humanizadora com todos.
3) Quando o MST conquista uma certa autonomia
em determinados municípios para indicar seus profissionais da educação, há
questionamentos por parte dos outros professores municipais, por achar que os
Sem Terra estão tendo vantagens e privilégios. Isso é um dos motivos que
acarreta um tratamento diferenciado dos colegas da rede municipal, que passam a
olhar para os educadores das áreas de assentamento com preconceito e
discriminação.
4) Outro elemento que dificulta a implementação
da proposta do Movimento a ser enfrentado pela gestão é a dobra de turno dos
educadores em outras escolas da rede municipal. Segundo a coordenadora da
escola, fica difícil que esses educadores trabalhem com as atividades propostas
pelo Movimento que exigem mais tempo disponível, devido à carga horária a ser
cumprida na outra localidade onde trabalha. Além disso, há uma interferência na
forma de trabalho desenvolvido, pois, no Movimento a proposta é de trabalhar
com a educação do campo, que leve em
consideração os valores e as subjetividades do homem camponês. E muitas vezes
quando alguns educadores trabalham e moram o outro turno na zona urbana, além
de estar enraizados em uma cultura urbanocêntrica, sendo difícil se
desvencilhar dos valores e da cultura citadina.
Algumas conquistas também foram enfatizadas.
Dentre elas, apesar do descaso sofrido frente à burocracia estatal no que se
refere à participação de reuniões e/ou outras atividades do município, já
existe a participação da coordenação da educação do MST nas reuniões do
Conselho Municipal de Educação e está garantida também a participação dos
professores nas atividades do Movimento (marchas, seminários, encontros...) sem
o questionamento da SEMED.
Aqui aparece o debate marxiano de que a
sociedade é produto da história e do produto concreto dos homens, que são
aquilo que produzem ou a forma como produzem. Observa-se então, que a gestão
escolar do MST, no caso da escola pesquisada, tem tentado se inserir no debate
junto à burocracia estatal, buscando fazer com que a educação no movimento
aconteça de forma coletiva, dialética e dialógica, ou seja, “em movimento”,
construindo a história do MST. Nesse caso, conclui-se que a gestão implementada
pelo MST difere da gestão que leva em conta somente os princípios da burocracia
estatal. Demandando, então uma nova denominação do que seria a “burocracia” nas
escolas de assentamentos, pois esta está voltada para uma função social e tem o
poder de decisão diluído nos coletivos. Preliminarmente, sugere-se que seja
denominada de Racionalidade Coletiva, porém esse é um aspecto da pesquisa que
necessita de mais estudos para que conclusões mais fundamentadas sejam obtidas.
Outra lacuna apontada nessa pesquisa é a
diferença entre os princípios da gestão democrático/participativa do Movimento
e a da burocracia estatal. Até os organismos internacionais como o Banco
Mundial apontam para uma gestão democrática e participativa, na qual a
comunidade deve estar cotidianamente na escola, por meio dos conselhos
escolares, nas reuniões de pais, ou mesmo ajudando como voluntários (SOUZA,
2002). Isso é o que vem sendo imposto também pelo Governo Federal brasileiro
por meio da descentralização na educação, a qual tem sido efetivada mediante o
uso de mecanismos de base racional-legal. Entretanto, o objetivo dessa política
é a transferência de responsabilidades do Estado para a sociedade civil, com o
intuito de obter sucesso na implementação de práticas neoliberais e
globalizadas (Idem).
Na perspesctiva weberiana, o movimento
dialético de construção histórica não aconteceria porque ele seria previamente
racionalizado e organizado com base no poder burocrático, produzindo estruturas
de controle, poder e dominação, a partir de comportamentos planejados a priori como metas objetivas a ser
alcançadas.
No debate sobre os movimentos sociais fica
difícil definir em qual categoria o MST se encaixa, pois ao mesmo tempo em que
ele tem tradição marxista, com líderes carismáticos, elementos que envolvem
fatores psicossociais da tradição clássica, como a mística, os símbolos, a
memória, tem materializado no sua prática um jeito sui generis de mobilizar os trabalhadores em torno de mudanças
pontuais na sociedade com base em categorias como identidade e valorização da
cultura, próprias dos NMS. Isso o torna bastante eclético. Faz parte do seu
contexto o que Gohn (2007, p. 18) denomina de participação cidadã que é
lastreada num conceito amplo de cidadania que não se restringe
ao direito ao voto, mas constrói o direito à vida do ser humano como um todo.
Por detrás dele há um outro conceito que é o de cultura cidadã, fundado em
valores éticos universais, impessoais. A participação cidadã funda também numa
concepção democrática radical que objetiva fortalecer a sociedade civil no
sentido de construir ou apontar caminhos para uma nova realidade social – sem
desigualdades, exclusões de qualquer natureza.
É nesse contexto que se insere o MST. Ao mesmo
tempo que luta por questões universais como a transformação da sociedade, se
envolve numa rede de movimentos sociais da sociedade civil, voltando-se para
aspectos pontuais que circundam em trono de questões de cidadania, às quais
versam sobre problemas identitários e culturais, como: ecologia, sexo, raça,
dentre outros.
Notável também pela
sua capacidade de politização do tema da Reforma Agrária e de mantê-la na pauta
nacional de discussão. O MST pode ser caracterizado por “um misto espantoso de
religiosidade popular, revolta camponesa ‘arcaica’ e organização moderna, na
luta radical pela reforma agrária e, em longo prazo, por uma ‘sociedade sem
classes’” (idem).
No que se refere à transformação da sociedade,
o MST tem como ideário a mudança para o socialismo, mas de acordo com Mészáros
(2009, p. 78),
isso só seria efetivável com um projeto pós-capitalista. (...)
Em outras palavras, é realizável apenas como um passo na direção de uma
transformação sócio-histórica global, cujo objetivo não pode ser outro senão ir
para além do capital em sua totalidade.
Para isso, o Movimento tem
lutado em torno de um projeto popular com viés socialista para o país. E quando
faz tal proposta, já assume feições de partido político. A
centralidade da orientação ideológica e a importância da educação política como
balizadoras da estrutura organizativas indicam uma clara similaridade à
estrutura dos partidos socialistas da Europa Continental (DUVERGER, 1970, p.
36). Os objetivos do Movimento estão
além da defesa de direitos imediatos de saúde, habitação, moradia, educação,
pois se expande para as questões ético-políticas quando faz proposições de um
projeto para toda a sociedade, abarcando não somente os trabalhadores rurais,
sintetizando uma pauta política com propostas totalizantes.
Logo, observa-se que o exercício da atividade docente em
assentamentos do MST requer muitos aprendizados teóricos para ressignificar a
prática dos profissionais do coletivo de educação, produzindo novos
conhecimentos, voltados para a realidade da comunidade em que trabalha, levando
em consideração aspectos culturais, sociais, políticos e econômicos, por meio
dos quais o educador precisa estar sempre atento para, por meio da pesquisa,
inserí-los no seu planejamento, a assim, “conscientizar” os alunos e ajudá-los
na aquisição de aprendizagens significativas para a transformação da sociedade
e para a coletividade, como propugna esse movimento social.
.
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MST Informa - Edição Especial, n° 82.
[on-line].
Jan. 2005. [cited 20.12.2005]. http://www.mst.org.br/informativos/mstinforma/mst_informa82.htm.
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2001.
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WEBER, M. Ensaios de
Sociologia e outros escritos. 1 ed. Seleção de Maurício Tratemberg. Editora
Victor Civita, 1976. (Coleção os Pensadores).
[1] Pedagoga
(UESB), Mestre (UFMG), Doutoranda (UFMG), Professora Assistente da UESC.
[2] Pedagogo
(UESB), Professor do Projeto Escola Mais (Rede Municipal de Vitória da
Conquista – BA).
[3] Ver
MACHADO (2003) e GENTILLI (1998).
[4] 1)
Educação para a transformação social; 2) Educação para o trabalho e a
cooperação; 3) Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; 4)
Educação com/para valores humanistas e socialistas; 5) Educação como um
processo permanente de formação e transformação humana (CADERNO DE EDUCAÇÃO nº
08).
[5] O MST
acha que o termo gestor está mais voltado para a burocracia estatal. Por isso,
prefere a denominação Coordenação de área para se referir ao responsável por
uma escola específica.
[6] Florestan Fernandes (1920-1995). Considerado um dos mais importantes sociólogos do Brasil.
Foi professor da Universidade de São Paulo (USP) e devido a seu engajamento na
universidade foi cassado com base no Ato Institucional n° 5, em 1968. Foi
eleito por duas vezes deputado federal pelo PT (1984-94). Como marxista,
entendia que a classe trabalhadora era a principal força revolucionária e
defendeu uma educação vinculada ao pensamento socialista. A homenagem prestada
ao sociólogo “é resultado da admiração e reconhecimento do MST por sua
trajetória de vida incansável e coerente com a luta dos trabalhadores e
trabalhadoras” (MST, 2005).
[7] O MST
prefere usar o termo coordenação de área, pois entende que o termo gestão está
ligado ao modelo capitalista de gerir, de administrar.
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