domingo, 9 de março de 2014



A PEDAGOGIA DO MST E OS DESAFIOS DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO

Org: José Ronaldo

 As raízes históricas da pedagogia do MST

Na década de 1840 começaram a surgir elementos de uma concepção marxista de educação, fato comprovado em muitas obras de Marx e Engels como por exemplo: O Capital, cap. XIII; A Ideologia Alemã, vol. I, parte I; Crítica ao Programa de Gotha, IV; e Princípios do Comunismo, de Engels.

Estas obras foram apenas tomadas como base por pedagogos e estudiosos da educação que posteriormente formularam uma teoria mais coerente sobre a chamada educação marxista. Grande impulso para que isto ocorresse foi dado pela Revolução Russa de 1917 (Revolução de Outubro), onde o partido bolchevique, capitaneado por Lênin, toma o poder e começa a colocar em prática o ideário marxista em toda a Rússia (que em 1922 se transforma em União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS).

Lênin defendia a teoria marxista da educação como, essencialmente, uma teoria da prática. Queria a formação de um novo homem para a sociedade socialista: que saiba comandar e se subordinar aos companheiros, que seja trabalhador e culto. Para que atingisse este intuito considerava prioritária a educação e a instrução.

Relataremos a seguir as idéias de alguns dos principais educadores marxista-leninistas que participaram da construção educacional da Revolução Russa.

Anton Semionovich Makarenko Pedagogo e escritor ucraniano educou crianças marginalizadas, órfãs e abandonadas, na Colônia Gorki (1920-1928) e na Comuna Dzerjinski (1927-1935) na URSS.

Defende como objeto da educação a coletividade escolar e não mais a criança isolada; defende a tese da criança concreta (diferentes crianças com suas marcas históricas, sociais, culturais e psicológicas, uma educação das diferentes personalidades) contra a tese da criança abstrata (como um ideal a ser alcançado), como pretendia Claparède e Tolstoi.

A escola de Makarenko tinha um espaço amplo, aberto, em contato com a sociedade (não ficava isolada, participava da luta dos trabalhadores) e a natureza; todos tinham que seguir o objetivo traçado coletivamente por professores e alunos, relacionando com as necessidades sociais de cada momento histórico numa constituição dialética da coletividade; o que significava planejar, racionalmente, os passos para o funcionamento da autogestão.

Na Colônia Gorki, que chegou a ter mais de 500 colonos, havia um Conselho Pedagógico (formado por educadores e educandos mais antigos), normas disciplinares, tribunal popular (onde se convocava a Assembléia Geral para julgar casos de indisciplina) e coletivos para específicas atividades como o coletivo das finanças, da cultura, etc.; o trabalho e o estudo eram obrigatórios.

Existia uma disciplina militar, com destacamentos para ocupações de estrada (para proteger a vizinhança de roubos) e até mesmo de terras (para lutar contra o latifúndio improdutivo e para cultivar uma horta coletiva), os estudantes uniformizados formavam fileiras de tropas marcadas pelo ritmo de cornetas e tambores que marchavam com bandeiras em punho e entoavam cantos e gritos de guerra.

Havia recompensas para os estudantes que se destacavam como, por exemplo, um pagamento de um salário e a entrada na Faculdade Operária (Rabfak).

Na Comuna Dzerjinski em Kharkov, onde existia mais de 100 colonos, foi implementada o plano de industrialização de Stalin onde Makarenko executou, juntamente com o estudo, o trabalho monotécnico baseado no fordismo e no taylorismo onde os educandos não obtiveram um conhecimento amplo do modo de produção restringindo-se apenas às necessidades do aumento da produtividade para obedecer as normas do Estado Soviético.

Já Anatoli Lunatcharski  Educador russo, comissário do povo para a cultura e educação no primeiro governo da URSS. Defendia que o professor tinha que ser eleito e controlado pela população que era organizada em comitês ou em sovietes, esta assumia a direção suprema da escola.

Na condição de comissário liquidou os restos do antigo aparelho, suprimiu a função de procuradores dos distritos, de diretores e inspetores da escola, proibiu o ensino do catecismo (eliminando o latim dos programas), revogou os certificados de maturidade, substituindo-os por certificados de fim de curso, suprimiu as notas e introduziu o ensino misto.

Pregava a escola do trabalho onde o trabalho seria matéria de estudo, isto é, como ensino de técnica em seu conjunto. Este trabalho seria coletivo, baseado na autogestão cooperativa. Diferente de Makarenko, impunha nas escolas o trabalho politécnico, onde as crianças e adultos aprenderiam diversas técnicas como agricultura, marcenaria, contabilidade, etc.

Além disso, defendia a educação estética, onde a tarefa fundamental do homem é a de tornar belo a si mesmo e a tudo o que o rodeia - ligada à técnica e à física. As crianças, seguindo esta orientação, tinham plena liberdade na organização das sociedades consagradas às ciências, à ginástica, à música, ao teatro, na criação de toda a espécie de revistas, de clubes políticos etc.

Achava que a criança deveria ser educada para cooperar na sociedade, aprendendo as noções de liberdade, de igualdade e do que venha a ser uma sociedade livre. Defendia que os professores nunca deveriam inculcar nas crianças o espírito socialista combativo, com o passar do tempo as próprias crianças adquiri-lo-iam naturalmente.

Estabeleceu um plano de educação para os adultos que envolvia alfabetização plena (o Império Russo não tinha um sistema nacional de ensino até o final do século XIX e início do século XX: 71% dos homens e 87% das mulheres eram analfabetos), intensificação nos ensinos primário e secundário, criação de uma Faculdade Operária (Rabfak) e incentivo à instrução extra-escolar com abertura de cinemas, apresentações teatrais, criação de bibliotecas, todos com entrada gratuita.

Por último, fez valer a escola única que era a típica escola do socialismo onde nela estudaria todas as classes sociais (proletários, camponeses, profissionais liberais ou filhos destes), utilizando os mesmos métodos de ensino.

Lev Semenovich Vygotsky Psicólogo e pedagogo russo, trabalhou no Instituto de Psicologia de Moscou. Vygotsky observa que a diferença entre educador e educando é primordial e deve ser nítida. A diferença entre saber fazer e não saber fazer algo, não pode estar tão próxima que permita o educando agir sozinho, pois já sabe e assim nada aprender. E nem tão distante que impeça o educando de agir, por não o conseguir fazer. É importante a interação de algo (cenário) ou alguém que estimule o educando através de desafios que podem ser superados, paulatinamente.

A produção de um ambiente educativo parte da premissa de que nada deve acontecer por acaso ou sem intencionalidade pedagógica. Foi assim que Vygotsky formulou seu conceito de Zonas de Desenvolvimento que podem ser Real, Potencial e Proximal.

A Zona de Desenvolvimento Real acontece quando as etapas são alcançadas e consolidadas pelo educando, isto é, quando o educando cumpre a tarefa proposta sem nenhum tipo de ajuda.

A Zona de Desenvolvimento Potencial acontece quando o educando realiza uma tarefa, que não consegue fazer sozinho, mas a realiza com a ajuda de outra pessoa (podendo ser um educador ou um educando que realmente saiba realizar a tarefa).

Já a Zona de Desenvolvimento Proximal é a distância entre as duas anteriores (a Real e a Potencial) e que o educando consegue realizar a tarefa percebendo apenas as motivações do meio.

Vygotsky dava importância a este meio como ambiente educativo onde se desenvolvia o chamado materialismo psicológico (baseado no materialismo dialético) onde se afirmava que a consciência procede da experiência, tem um caráter secundário e depende, psicologicamente, do meio. Parafraseia, então, Marx e Engels, explanando que a experiência determina a consciência.

Nadezhda Konstantinovna Krupskaia,Educadora russa, era a esposa de Lênin. Foi vice-comissária do povo para a cultura e educação, trabalhando juntamente com Lunatcharski.

Defendeu a necessidade da escolarização dos filhos dos trabalhadores como tarefa de ampliação da educação, antes colocada como tarefa única e exclusiva das mães. Por isso, luta arduamente pela criação de pré-escolas e de creches gratuitas.

Pistrak ,Educador russo. Foi o criador e grande entusiasta da chamada Escola do Trabalho onde compreendia o trabalho como a atividade específica do ser humano, orientada para a transformação da natureza, auxiliado por instrumentos de trabalho, para que assim possa satisfazer suas necessidades, mas, que ao transformar a natureza, transforma a si mesmo, a sua atitude frente a natureza, frente aos outros seres humanos e frente a si mesmo, mudam suas idéias, seus ideais, e sua possibilidade de conhecer e transformar a realidade. Defende assim, a reflexão no momento do trabalho sobre o que se faz e como se faz para que possa, desta maneira, produzir sujeitos sociais e culturais.

No MST a questão da educação começa em julho de 1987, na cidade de São Mateus (ES) onde aconteceu o Primeiro Encontro Nacional de Professores de Assentamentos, o MST constituiu um setor específico para tratar dos desafios ligados à questão dos direitos à educação dos trabalhadores rurais sem terra. Segundo o MST, este setor está organizado em 23 Estados, formando um universo de 1800 escolas de ensino fundamental, nos quais 160 mil crianças e adolescentes estariam frequentando. Trabalhando diretamente com estas escolas são cerca de 3900 educadores, além dos 250 educadores que trabalham na?Cirandas Infantis, Destinadas à educação de crianças com até seis anos de idade. O Movimento mobiliza ainda cerca de três mil educadores na alfabetização de jovens e adultos, envolvendo aproximadamente 30 mil alfabetizandos.

As principais características da pedagogia do MST são as seguintes: Para a educação infantil há as chamadas Cirandas Infantis, onde os educadores organizam o conjunto de trabalho que vão desde o período de gestação dos bebês até atividades com as mães, dialogando com estas as maneiras de educar o filho. As crianças participam de brincadeiras, jogos, ouvem música, assistem filmes e participam até mesmo de marchas para reivindicar melhores condições para o MST, a chamada ?Marcha dos Sem Terrinha?.

 Para o ensino fundamental e médio os educadores organizam várias reuniões com os assentados/acampados, juntamente com seus filhos/as, a comunidade e também o secretário de educação do município ou do Estado para que possam organizar a escola a partir das necessidades locais e coletivas buscando a criação de um currículo que atenda as necessidades do campo. Todas estas escolas do MST são públicas e a maioria é reconhecida pelos Conselhos Municipais e Estaduais de Educação e pelo MEC (Ministério da Educação).

 Para o ensino superior, a partir de 1998 o MST começou a fazer parcerias com Universidades para a implementação do Curso Superior de Pedagogia (Pedagogia da Terra) com currículo voltado para o campo com matérias sobre produção, história do campo, método de aprendizagem com ferramentas de trabalho, etc; tendo em vista a formação de professores (em sua esmagadora maioria acampados/assentados). Cursos também com a aprovação do MEC.

 A organização da escola segue uma linha do Conselho Pedagógico (formado por educadores) tendo como base os princípios do Coletivo Nacional de Educação do MST (instância máxima do setor de educação). Os alunos são divididos em núcleos que geralmente são batizados com nomes de trabalhadores/as que tombaram na luta pela terra. Cada núcleo tem um grito de guerra, há um revezamento entre eles no que concernem as atividades da escola (jardinagem, limpeza, preparar refeições, etc.) e há uma gestão democrática onde os membros dos núcleos têm direito a opinar e a decidir.

 A ocupação de terra, as fileiras organizadas na Marcha dos Sem Terra, as bandeiras, as músicas, os gritos de guerra, as fotos de revolucionários, as apresentações teatrais (místicas) são consideradas matrizes não só organizativas do MST, mas fundamentalmente matrizes pedagógicas, implicando na compreensão do Movimento como lugar de formação de sujeitos sociais.

 A coletividade num trabalho de auto-organização da escola com o intuito de preservá-la, a capacitação com a aprendizagem do trabalho, em especial, o trabalho cooperativo, processos educativos interagindo com processos políticos e econômicos, a realidade como base da produção do conhecimento e a relação entre teoria e prática;

 Luta contra o analfabetismo, pois de acordo com o Censo da Reforma Agrária de 1997, realizado pelo INCRA há um índice de 30% de jovens e adultos analfabetos nos assentamentos, uma realidade que chega a mais de 80% em algumas regiões.

É bom ressaltar que por ser tratar de um Movimento nacional que cobre 23 Estados estas características não são homogêneas havendo um desenvolvimento vistoso em alguns Estados, como os da região Sul e uma situação periclitante em outros Estados, como os da região Norte.

 Comparação entre a pedagogia marxista-leninista e a pedagogia do MST

Analisaremos esta comparação em três pontos principais: o contexto histórico, o ambiente escolar e o ambiente extra-escolar.

 Contexto histórico

Podemos começar esta análise comparativa observando o contexto histórico de cada época. O contexto histórico em que vigorou a pedagogia marxista-leninista era totalmente favorável para a aplicação deste método de ensino pois atuava no clímax da Revolução Russa que até mesmo exigia uma educação com esta ideologia. O Estado Soviético disponibilizou a segunda maior receita do PIB para a educação e criou uma Faculdade Operária para os trabalhadores e camponeses.

Ao contrário, o MST atua num contexto histórico totalmente desfavorável, o Estado não ajuda a construir escolas nos assentamentos muito menos envia recursos e só as aprova oficialmente depois de muita pressão por parte do movimento, incluindo ocupações de secretarias e ministérios.

 Ambiente Escolar

Damos o nome de ambiente escolar à maioria das ações pedagógicas que são realizadas dentro da escola, como nas salas de aula, nos campos, nos ginásios, nos jardins, nos pátios; enfim, ações que são realizadas em seu ambiente.

Sob o aspecto do ambiente escolar há muitas semelhanças entre o MST e as escolas marxistas tais como o convívio coletivo, a autogestão, a participação democrática, a educação estética, a escola do trabalho, a disciplina, a assembléia geral, os professores afinados com a ideologia do Movimento, as zonas de desenvolvimento na aprendizagem, as creches gratuitas (cirandas) e a alfabetização de jovens e adultos.

 O convívio coletivo, a autogestão e a participação democrática

O convívio coletivo, a autogestão e a participação democrática são conceitos indissociáveis no MST assim como nas escolas do Estado Soviético. Sobre a coletividade, o MST se espelha principalmente no que Makarenko dizia: a pedagogia socialista deve centrar sua atenção na educação do coletivo e aí, sim, estará educando o novo caráter coletivista de cada aluno/a em particular, seguindo como objeto da educação a coletividade escolar. Podemos citar como exemplos neste sentido a construção da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) na cidade de Guararema (SP), onde operários e camponeses sem-terra a construíram num processo de mutirão e sem receber nenhum tipo de pagamento durante um período de quatro anos e meio.

A autogestão é caracterizada pelo MST no que concerne à formação de coletivos responsáveis pela organização e limpeza das escolas tal como as escolas marxistas. Há coletivos de limpeza, esporte, cultura, finanças, etc.

A participação democrática é exercida de maneira integral pelos membros destes coletivos aptos a opinar e decidir sobre os rumos da escola respeitando os princípios do MST.

 A educação estética

A educação estética, assim como pregava Lunatcharski, é realizada pelo MST no trabalho por uma alimentação boa e saudável, pelo conteúdo das noites culturais (resgatando a cultura popular e a história de luta no campo), pela limpeza dos espaços de circulação, pela higiene e postura das pessoas, pelo ajardinamento exterior e pelo embelezamento dos ambientes da escola (flores, painéis, quadros,...).

 A escola do trabalho

O MST também realiza em seu ambiente educativo as chamadas escolas do trabalho concebidas na Revolução Russa por Pistrak e Lunatcharski. Tal fato se evidencia no Movimento pela diferenciação entre capacitação e ensino. Enquanto este visa a formar o educando pela teoria com o ensinamento proporcionado pelas aulas, àquela visa ao preparo das pessoas para atuar como sujeitos de suas ações e de intervenções concretas na realidade, unindo assim, a teoria com a prática. Como exemplos podemos citar a agroindústria, a marcenaria e o mercado de produtos do MST existentes em algumas escolas dos sem-terra onde visa um processo produtivo socialmente dividido e o aprendizado da dura lógica do mercado com a reflexão e a interação com a natureza.

 A disciplina

Sobre a disciplina, o MST tem muitas semelhanças com a Comuna Dzerjinski de Makarenko e com a sociologia leninista. A similitude com a primeira condiz com a atuação do Exército Vermelho de Trotski que ajudava o professor Makarenko exercendo e ensinando a disciplina no trabalho e organização da escola ficando como exemplo a ser seguido pelos alunos. Com a sociologia leninista ressalta-se o esforço pela formação do novo homem, que tenha uma formação humanista e socialista interagindo na realidade na defesa dos explorados com disciplina austera e consciente, sacrificando até a vida pela luta por uma revolução brasileira.

 A Assembléia Geral

Existe também a Assembléia Geral que julga os casos de indisciplina no MST assim como o Tribunal Popular nas escolas marxista-leninistas com penas que vão da advertência à expulsão.
6.2.6) Os professores:

Lunatcharski exigia que os professores tinham que ser eleitos e controlados pelas comunidades para que mantivessem, inflexivelmente, o ideal socialista. Nas primeiras escolas conquistadas pelo MST junto aos municípios ou aos estados eram designadas para essas áreas professores/as da rede oficial de ensino que muitas vezes lecionavam com uma visão bastante preconceituosa em relação aos sem-terra acusando-os de serem ladrões de terra, que ocupar era crime e outras acusações de mesmo nível. Houve uma grande discussão no MST sobre quem deveria dar aulas nas escolas dos acampamentos/assentamentos, já que os professores que não têm conhecimento sobre o Movimento não estavam dispostos a trabalhar numa rotina de conflitos que acontecia nestas escolas. O MST chegou à conclusão de que era preciso se preocupar com a formação e escolarização dos próprios militantes para que estes pudessem se tornar professores. Com este intuito foram criadas várias turmas de Magistério do MST com parcerias com fundações, municípios e estados e há, atualmente, em todo o país, 18 Cursos de Pedagogia da Terra em nível superior com parcerias firmadas com Universidades para que estes militantes tenham ideologia e conhecimentos sólidos para lecionar nas escolas do MST. Assim, não deixa de ser uma forma de controle da comunidade sem-terra para com os professores, como propagado por Lunatcharski.

 As zonas de desenvolvimento

Sobre as zonas de desenvolvimento pregadas pelo psicólogo e educador Vygotsky ressalta-se a importância que a educação do MST remete especificamente à zona de desenvolvimento proximal para chamar a atenção para a questão da aprendizagem e a interação das pessoas em vista da produção do conhecimento. Como vimos ela é a distância entre o desenvolvimento real de um educando e um aprendizado que ele pode alcançar com a ajuda de um educador e/ou de outros educandos que já dominam este aprendizado. Temos como exemplo a formação de grupos de estudos onde participam educandos com diferentes níveis de aprendizagem, para que possa haver a maior interação possível fomentando a realização de trabalhos em conjunto. O MST caracteriza este trabalho com a passagem do ensino-aprendizagem (centrada no repasse de informações e no despejamento de conteúdos) para a aprendizagem-ensino (preparar o caminho para que todos possam produzir o seu conhecimento e de como aplicá-lo na vida).

 As pré-escolas e creches

A educação do MST também é embasada na idéia de Nadezhda Krupskaia com relação à criação de pré-escolas e creches gratuitas. Já que o MST é um movimento que acampa/assenta famílias, é óbvio que nestas famílias o número de crianças é bastante significativo, por isso há a criação de creches e pré-escolas nos acampamentos/assentamentos que são denominadas pelo Movimento de Cirandas Infantis onde as crianças desenvolvem atividades lúdicas com a finalidade de entender o ambiente onde vivem.

Mas diferentemente do pensamento de Lunatcharski e da própria Krupskaia (Que eram os comissários do povo para a educação na URSS), o MST já inculca, mesmo que de uma forma discreta, o pensamento socialista nas crianças ensinando, por exemplo, gritos de guerra como: Bandeira, bandeira, bandeira vermelhinha, o futuro da nação está nas mãos dos sem-terrinha? e canções infantis que retratam a luta de classes , a divisão de bens (cooperação) e a luta por um país igualitário.



O analfabetismo

Sobre a luta contra o analfabetismo de jovens e adultos as escolas do MST, hodiernamente, têm praticamente o mesmo desafio do Comissariado do Povo para a Cultura e Educação no início da Revolução Russa, basta observar os índices de analfabetismo: no início da Revolução Russa (1917) 71% dos homens e 87% das mulheres eram analfabetos e hoje, em algumas regiões de nosso país onde moram acampados e assentados sem-terra, o índice de analfabetismo ultrapassa os 80%.Foram construídas várias escolas de alfabetização nos acampamentos/assentamentos para destruir esta mazela, são 3.000 educadores alfabetizando 30.000 trabalhadores rurais sem-terra. Os alfabetizandos aprendem com o método do educador Paulo Freire, que não deixa de ter características marxistas, pois é utilizada a educação popular ou pedagogia do oprimido onde os trabalhadores reconhecem e assumem um compromisso de classe e tem como metodologia a ligação indissociável da teoria com a prática.

 O ambiente extra-escolar

Damos o nome de ambiente extra-escolar à maioria das ações pedagógicas que são praticadas fora do âmbito da escola, como as ocupações de terra, as marchas e a pressão sobre os governantes. Tanto as escolas marxista-leninistas quanto as escolas do MST consideram estas ações importantíssimos aprendizados.

 As ocupações de terra e as marchas

Neste aspecto, as ocupações de terra e as marchas promovidas pelo MST devem ser comparadas com as realizadas pelos educandos da Colônia Gorki que contavam com a direção do pedagogo Makarenko.

No início da Revolução Russa ainda havia vestígios de feudalismo e, por isso, ainda era preciso lutar contra os chamados kulaks que eram os fazendeiros ricos que possuíam latifúndios improdutivos e que exploravam os camponeses miseráveis.

O Estado Soviético havia concedido à Colônia Gorki, que ficava na cidade de Poltava, o direito de posse das terras da fazenda Trepke (próxima a Poltava) já que esta estava abandonada pelos irmãos Trepke e a Colônia estava com planos de transformar os educandos em agricultores para possibilitar a reforma agrária. Antes da chegada dos colonos, os kulaks invadiram a fazenda ilegalmente e começaram a explorar a massa de camponeses pobres que moravam na vizinhança.

Ao saber desta informação os educandos da Colônia Gorki começaram a se organizar em destacamentos de trabalho para a ocupação real das terras. Os destacamentos entravam na fazenda e começavam a trabalhar para intimidar os kulaks. Seria com o trabalho no campo que se veria quem era o dono da propriedade. Mas o clima ficou tenso e os kulaks começaram a agredir os colonos com chicotes e os chamavam de ladrões e baderneiros.

Foi então que no dia 03 de outubro de 1923 os oitenta educandos da Colônia Gorki organizaram uma marcha visando a definitiva ocupação das terras de Trepke. Para realizar a marcha os educandos se colocaram em fileiras, cabeças erguidas, postura ereta, com uniformes de tecidos de chita novos, descalços para não causar má impressão diante dos velhos sapatos, empunhando as bandeiras de guerra feitas de seda, com oito tambores e quatro cornetas à frente e o grito de guerra: terra para quem nela trabalha! Marcharam até chegar em Trepke onde não encontraram nenhum tipo de resistência e então passaram a comemorar a verdadeira conquista da terra. Nesta marcha promovida pelos colonos estavam crianças, adolescentes e jovens que eram fãs do Exército Vermelho de Trotsky e das tropas do anarquista libertador da Ucrânia e aliado dos bolcheviques: Nestor Makhno.

Sobre as ocupações de terra o MST enfrenta mais dificuldades em relação aos colonos gorkianos no que concerne à ação estatal. Como já analisamos, no contexto histórico em que atua o MST o chamado Estado Democrático de Direito não cumpre com a Carta Política do Brasil que explana no início do ?art.184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social...?

Diferentemente da Colônia Gorki onde o Estado Soviético primeiramente concedia o direito de posse de terra e depois os colonos ocupavam a terra para ratificar este direito, na conjuntura atual os papéis se invertem: o MST primeiro tem que ocupar a terra para depois de muito tempo o Estado concedê-la ao Movimento ainda pagando uma indenização ao latifundiário, o que era totalmente impensável na Revolução Russa.

É bom ressaltar também que os militantes do MST, quando ocupam terras, sofrem o mesmo tipo de preconceito e discriminação por que passavam os educandos da Colônia Gorki. Também são chamados de ladrões e baderneiros pelos latifundiários e pelas seis famílias que controlam a grande mídia brasileira na tentativa de criminalizar o Movimento.

Sobre as marchas há uma pequena diferença, enquanto os educandos da Colônia Gorki marchavam em momentos festivos ou para ir ao encontro da terra, o MST marcha para reivindicar a reforma agrária e um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil.

No que se refere à organização da marcha, há muitas semelhanças: as fileiras, as cabeças erguidas, a postura ereta, os uniformes do MST, as bandeiras vermelhas empunhadas, o espírito de cooperação e solidariedade, os gritos de guerra: Pátria livre, venceremos! Reforma agrária quando? Já! Todas estas ações da Marcha Nacional dos Sem Terra nos remetem à lembrança da marcha dos colonos gorkianos.

Não podemos deixar de ressaltar nesta especifica análise comparativa a Marcha dos Sem Terrinha, organizada pelas crianças e pré-adolescentes do MST, orientadas principalmente pelos professores/as da Ciranda Infantil. Ela também tem muitas das características da marcha dos educandos da Colônia Gorki, também marcham em fileiras, de cabeça erguida, carregam bandeiras do Movimento, tem seus gritos de guerra e são respeitados pelas autoridades que vão receber a pauta de reivindicações (que eles mesmos elaboram). Mas o que há de mais semelhante entre os Sem Terrinha e os educandos de Makarenko é a admiração pelo ?Exército Vermelho?, no caso dos Sem Terrinha, a admiração é especial, porque no ?Exército Vermelho do MST? marcham os heróis que fazem parte da mesma vida que a deles: seus próprios pais.

Pressão sobre os governantes

Novamente encontramos entre o MST e a Colônia Gorki de Makarenko fatos similares no que se refere ao modo de exercer pressão sobre os governantes.

Os educandos da Colônia Gorki sofriam com o rigoroso inverno russo e, no início da Revolução, o Estado racionava alimentação e vestimentas, distribuindo-as conforme a necessidade, aos hospitais, às crianças, aos idosos, etc. Sendo assim, os educandos se vestiam com roupas esfarrapadas e só comiam um mingau ralo.

Makarenko, diante da morosidade do Estado Soviético, adotou a tática de levar todos os educandos aos funcionários do Estado, numa espécie de ocupação de secretarias e ministérios para exigir melhoria na alimentação e roupas adequadas para suportar o inverno russo. Queriam apenas uma complementação para o mingau com o fornecimento do pão de centeio.

Mas como novamente o Estado demorou a atender esta reivindicação os colonos começaram a ameaçar uma revolta contra os governantes. Estes, pressionados, liberaram uma refeição forte baseada em pão, leite e muitas gorduras e chegaram a oferecer até supérfluos como carnes, defumados e balas.

O MST também adota a mesma tática de ocupar secretarias, institutos e ministérios para pressionar os governantes que prometeram melhorias aos Sem Terra. Como um nítido exemplo do MST nesta maneira de pressionar está a ocupação de INCRAs (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) pelo país exigindo maior rapidez nos processos de desapropriação de terras e o cumprimento do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA).


2 -PAPEL DA EDUCAÇÃO NO MST E SUA PROPOSTA PEDAGOGICA

Que papel deve ter a escola no MST? Certamente esta é uma pergunta que a militância do MST se faz e ao longo desta construção histórica, nesta tentativa de saber qual de fato é o significado da escola para a luta social.
Vale dizer aqui que a nossa trajetória de luta foi nos mostrando que na luta por escola, descobrimos que a educação no MST é muito mais do que escola,ela é de fato a vida das pessoas organizadas em movimento lutando por ideiais de liberdade e construção de uma nova sociedade mais digna para todos.
Assim devemos nos perguntar  no momento atual o O que o MST quer com a escola?Qual a nossa trajetória?Qual o nosso fazer pedagógico?Por que lutamos por escola?Por qual escola lutamos?Como fazer esta escola do campo diferente?Que tipo de conhecimento deveu priorizar?Como levar adiante estas disputas cotidianas?
2.1 -A ORGANIZAÇÃO E OS OBJETIVOS DA ESCOLA DO MST

A Escola do MST é uma Escola do Campo, vinculada a um movimento de luta social pela Reforma Agrária no Brasil. Ela é uma escola pública, com participação da comunidade na sua gestão e orientada pela Pedagogia do Movimento.
A Escola do MST é aquela que se faz lugar do movimento destas Pedagogias, desenvolvendo atividades pedagógicas que levem em conta o conjunto das dimensões da formação humana. É uma escola que humaniza quem dela faz parte. E só fará isso se tiver o ser humano como centro, como sujeitos de direitos, como ser em construção, respeitando as suas temporalidades.
Para realizar a tarefa educativa de humanização é preciso perceber e levar em conta os ciclos da natureza e, de forma especial, os ciclos da vida humana com os quais estamos convivendo e queremos ajudar a formar.
É preciso também que a escola aceite sair de se mesma, reconhecendo e valorizando as práticas educativas que acontecem fora delas. (Caderno de Educação nº09, 1999).
Educação não é sinônimo de escola. Ela é muito mais ampla por que diz respeito à complexidade do processo de formação humana, que tem nas práticas sociais o principal ambiente dos aprendizados de ser humano. No entanto, a escolarização é um componente fundamental neste processo e um direito de todas as pessoas. Desde os primeiros acampamentos e assentamentos esta é uma das lutas do MST.
Desde o começo do MST existiu a luta pela criação de escolas nos próprios assentamentos. Primeiro, por uma intuição de que isso também era um direito, e pela consciência de que se as escolas não fossem nos assentamentos, muitas crianças continuariam fora delas. Aos poucos esta exigência foi se tornando uma convicção, um princípio do MST.
Estudar na cidade, só em último caso. Considerando-se que a educação no meio urbano prepara o filho do agricultor para sair do assentamento, já o ensino nas escolas dos assentamentos do MST deve preparar os estudantes para ficar e transformar o meio rural.
Por isso o Movimento passou a trabalhar por uma identidade própria da escola do campo, com um projeto político e pedagógico que fortaleza novas formas de desenvolvimento no campo, baseadas na justiça social, na cooperação agrícola, no respeito à vida e na valorização da cultura camponesa.
           Ao dizer escolas de assentamento ou de acampamento, o movimento está afirmando a necessária vinculação da escola com a realidade local e o desafio de participar efetivamente da solução de seus problemas. Ao dizer escola do MST, afirma-se a relação que a escola deve ter com a luta pela Reforma Agrária, que vai além das questões localizadas em cada assentamento. Ao dizer escolas do campo, estão assumindo um vínculo mais amplo com o destino do conjunto dos camponeses ou dos trabalhadores do campo, o que exige da escola que também leve novas questões à comunidade, ajudando em seu engajamento a um projeto mais amplo, históricos, de futuro. Em qualquer das expressões para se designar a escola, pretende-se a construção de uma identidade. Não basta ter escola no assentamento; ela tem que ser uma escola no campo; tem que ser uma escola do campo, que assuma as causas e a cultura de quem ali vive e trabalha.

2.2 PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO NO MST
É importante destacar os Princípios Filosóficos e Pedagógicos da Educação do MST, os quais norteiam todo processo educacional, ou seja, também são, automaticamente, os princípios deste projeto. De acordo com o Caderno de Educação nº08 do MST- 1996, podemos destacar:

2.2.1. PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS
      Dizem respeito a nossa visão de mundo, nossas concepções mais gerais em relação à pessoa humana, à sociedade, e ao que entendemos que seja educação.
1.   Educação para transformação social;
2.   Educação para o trabalho e a cooperação;
3.   Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana;
4.   Educação com/para valores humanistas e socialistas;
5.   Educação como um processo permanente de formação/transformação humana.

2.2.2 PRINCÍPIOS PEDAGÓGICOS
      Referem-se ao jeito de fazer e de pensar a educação, para concretizar os próprios princípios filosóficos.
1.   Relação entre prática e teoria;
2.   Combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação;
3.   A realidade como base da produção do conhecimento;
4.   Conteúdos formativos socialmente úteis;
5.   Educação para o trabalho e pelo trabalho;
6.   Vinculo orgânico entre processos educativos e processos políticos;
7.   Vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos;
8.   Vínculo orgânico entre educação e cultura;
9.   Gestão democrática;
10   .Auto-organização dos/das estudantes;
11      Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/das educadoras;
12   Atitude e habilidade de pesquisa;
13   Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais.

2.3 PERFIL DO EDUCADOR/A
Para ser Educador ou Educadora numa escola como esta é preciso ser apaixonado/a pela educação, conhecedor/a da realidade do campo e sensíveis aos seus problemas; a favor da Reforma Agrária, lutadora do povo e amiga ou militante do MST. É preciso se desafiar a compreender a história do MST e a conhecer as marcas deste movimento, que é político e pedagógico ao mesmo tempo. Isto implica em procurar entender a cada dia os traços do MST que em seu movimento constrói a sua identidade: o ser Sem Terra.
Isto exige: sensibilidade humana e abertura para reeducar nas relações os seus valores; disposição de participar de um processo construído coletivamente pelas educadoras e educadores nele inseridas e inseridos, com a participação ativa dos educandos e educandas de toda a comunidade; capacidade de trabalho cooperado de ser um coletivo educador; romper com a visão de repasse de conteúdos e se desafiar a trabalhar saberes e o tratar pedagogicamente a luta, o trabalho, a vida como um todo.

2.4  PERFIL DO EDUCANDO/A
Nossos Educandos e Educandas são crianças, adolescentes e ou jovens (com sua temporalidade própria), do campo (com saberes próprios) e do MST (herdeiros da identidade Sem Terra em formação).
Eles precisam ser desafiados pelas educadoras e educadores a se auto-organizar, com autonomia, em sua sala de aula e, se optarem, como Escola.
Participar das Mobilizações dos Sem Terrinha e dos Jovens Sem Terra, das lutas por Educação e Escola do Campo e para o Campo. Refletir sobre o sentido e o porquê destas lutas e contribuir no repasse de informações para as famílias. Também, participar dos Concursos Nacionais do Setor de Educação e de outras iniciativas do MST como um todo.

2.5 DESAFIOS DA ESCOLA DO MST NA ATUALIDADE
    
 MST a escola é fundamentalmente uma construção histórica – lutas, conflitos, vitorias e derrotas; é também espaço institucionalizado, governamental é Lugar de conflitos e disputas de projetos,traz consigo as marca das contradições no campo marcada pelas investidas do capital;
           Esta escola é heterogênea, sendo espaço de disputas de conceitos e ideias, mas também pode ser, espaço de construção de identidade;espaço de lutas sociais;de formação humana;de desvendamento da realidade e a da alienação e finalmente de ressignificação da construção do conhecimento cientifico e popular;
         Dentre os principais desafios do fazer pedagógico das escolas de assentamentos e acampamentos podemos citar
v  A organização pedagógica deve ser construída a partir da realidade contextualizada do educando;
v  Deve estar voltada á um projeto estratégico de desenvolvimento dos assentamentos;
v  Deve ter na sua orientação pedagógica referenciais que nos ajudem a desvendar de fato a realidade camuflada das coisas;
v  Deve ter como principio o estudo do movimento da realidade e de como as contradições sociais aparecem;
v  Tudo que envolve o real;
v  Tudo que existe fora da mente ou dentro;
v  A realidade é construída pelo sujeito ela não é dada pronta para ser descoberta;
v  Todas as informações que existe em nossa volta produzida pelos nossos sentidos;
v  Precisa ter em seu ideial as questões sociais;
v  Esta escola precisa se envolver nos problemas cotidianos;
v  Tudo que os educandos estudam precisa estar ligado com a sua vida prática, com as necessidades concretas;
v    Todo conhecimento que os educandos vão produzindo na escola devem servir para que elas entendam melhor o mundo em que vivem, o mundo da escola, da família, dos assentamentos, município, do MST,DO MUNDO EM MOVIMENTO...
v    Precisamos romper com a educação tradicional que organiza um currículo em torno de conteúdos retirados dos livros, projetos.. Sem vínculo com a realidade.
v  Precisamos estar organizado em nosso setor de educação;
v  Um dos grandes segredos do nosso trabalho é o planejamento – refletir antes de agir – avaliação durante e depois;
v  Ter bem claro os objetivos da escola a curto, médio e em longo prazo;

v  Transformar a realidade contextual em temas geradores

BUROCRACIA ESTATAL OU RACIONALIDADE COLETIVA? UM ESTUDO DA GESTÃO EDUCACIONAL DO MST

BUROCRACIA ESTATAL OU RACIONALIDADE COLETIVA? UM ESTUDO DA GESTÃO EDUCACIONAL DO MST

Autora: Arlete Ramos dos Santos[1]
Co-autor: Gilvan dos Santos Souza[2]
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo: O objetivo desse trabalho é analisar a gestão educacional sob o enfoque da burocracia estatal capitalista, como elemento de contradição no MST, tendo em vista que esse Movimento luta pelo socialismo. O local de pesquisa foi a Escola Municipal Emliano Zapata, situada no Assentamento Cangussu, município de Barra do Choça, BA. Para tanto buscou identificar os instrumentos da burocracia estatal capitalista existentes na referida escola; analisar se a gestão implementada na escola é autoritária ou democrática, e descobrir quais os desafios e conflitos vivenciados pelo gestor da educação no MST, uma vez que ele faz os papéis de diretor/coordenador junto à burocracia estatal (Secretaria Municipal de Educação), onde predomina o capitalismo, e de militante junto ao setor de educação do Movimento, cuja predominância é o socialismo. O caminho escolhido foi, a partir do referencial teórico weberiano e marxista, fazer uma revisão de literatura com autores que tratam das categorias analíticas do tema, a saber: burocracia, movimentos sociais, democracia e gestão. As reflexões com base nos pressupostos teóricos e nos dados coletados levou a concluir que a gestão educacional do MST é democrático/participativa, com especificidades próprias voltadas para o objetivo de implementar a proposta pedagógica do Movimento tendo em vista uma pedagogia socialista. As características predominantes são a autonomia e o trabalho coletivo. A partir do marco conceitual do que é tido como burocracia nos estudos realizados durante a pesquisa, ficou claro que a forma de organização, coordenação e sistematização do MST não se encaixa nesse termo. Por isso, entendeu-se como necessário criar uma nomenclatura para essa forma de estruturação, a qual foi denominada de Racionalidade Coletiva nessa pesquisa.

Palavras-chave: gestão, Movimento Sem Terra, burocracia.

Nesse trabalho estudou-se o MST destacando-o como um movimento social do campo, categoria definida analiticamente por Melucci (1989, p.57) como uma forma de ação coletiva (a) baseada na solidariedade, (b) que desenvolve um conflito, (c) e rompe com limites do sistema em que ocorre a ação. Observa-se que o MST é uma organização gestada no seio da classe trabalhadora, em busca da cidadania negada pelo capitalismo moderno, sendo que este Movimento tem sentido a necessidade do uso da burocracia, por meio de instrumentos de poder e controle e como mecanismo de legitimidade das ações que dependem do aparato estatal capitalista.
            Sendo assim, a pesquisa teve algumas questões a serem respondidas: Como a gestão educacional do MST concilia a utilização dos instrumentos burocráticos do Estado, com os político-ideológicos da organização Sem Terra, uma vez que a burocracia é um elemento de controle e poder hierarquizado do capitalismo individualista, e este Movimento Social luta pelo socialismo voltado para a coletividade? Quais os instrumentos burocráticos utilizados nas escolas do MST? Qual o tipo de gestão educacional implementada pelo MST na Escola Municipal Emiliano Zapata?
Os objetivos perseguidos durante a pesquisa foram: Analisar a gestão educacional nas áreas de assentamentos e acampamentos dos Sem Terra, sob o enfoque da burocracia estatal capitalista, como elemento de contradição dentro desse movimento social, tendo em vista que o MST luta pelo socialismo; analisar a burocracia estatal, como instrumento do sistema capitalista, e seus desdobramentos na gestão educacional do MST; Identificar os instrumentos burocráticos utilizados na gestão educacional do MST, e se estes são utilizados como mecanismos de controle e poder; Verificar como a gestão educacional do MST se relaciona com a burocracia (Estado), no caso, as definições burocráticas da Secretaria Municipal de Educação de Barra do Choça, BA, de forma que não a impeça de atingir os seus objetivos de formação; Identificar qual o tipo de gestão educacional implementada no MST, e se há coerência entre a gestão e a pedagogia proposta.
Para o desenvolvimento desse estudo, optou-se pela pesquisa qualitativa com análise descritiva. Nessa dimensão, afirma Martins (2002, p. 58): Na pesquisa qualitativa, uma questão metodológica importante é a que se refere ao fato de não se poder insistir em procedimentos sistemáticos que possam ser previstos em passos ou sucessões como escada em direção à generalização. A pesquisa qualitativa envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar as questões relacionadas à escola.
Para análise dos dados, estes tiveram como referência a metodologia dialética visto que “a dialética é o pensamento crítico que se propõe a compreender a “coisa em si” e sistematicamente se pergunta como é possível  chegar à compreensão da realidade” (KOSIK, 1997, p. 20).  E, ainda, conforme descreve Lakatos (1991, p. 101), para a dialética, as coisas não são analisadas na qualidade de objetos fixos, mas em movimento: nenhuma coisa está “acabada”, encontra-se sempre em vias de transformar, desenvolver; o fim de um processo é sempre o começo de outro. Utilizou-se da teorização, frente à realidade posta, para compreendê-la, sempre confrontando e analisando aspectos empíricos, históricos, ideológicos, sociais, entre outros, em busca de interpretar o objeto de estudo em sua totalidade.
Na pesquisa de campo, os dados foram coletados por meio da observação, de entrevistas semi-estruturadas (GIL, 2002). Nesse caso, prima-se pelo “observador participante” o qual na perspectiva de Ludke & André desempenha um papel em que
a identidade do pesquisador e os objetivos do estudo são revelados ao grupo pesquisado desde o início. Nessa posição, o pesquisador pode ter acesso a uma gama variada de informações, até mesmo confidenciais, pedindo cooperação ao grupo. Contudo, terá em geral que aceitar o controle do grupo sobre o que será ou não tornado público pela pesquisa (1986, p. 18).

O processo de observação direta foi sistematizado mediante o uso do diário de campo, evidenciando, desta maneira, a atuação dos gestores,  professores e o trabalho com os estudantes. A entrevista semi-estruturada se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações (idem).
Adotou-se também, para a coleta de dados, fontes documentais. Foram consideradas fontes documentais nessa pesquisa os planos de aula, legislação acerca de assuntos educacionais relacionados direta ou indiretamente com a problemática, tais como portarias e resoluções da Secretaria Municipal de Educação, documentações da secretaria das escolas, diário de classe, ata de reuniões, proposta de educação do MST, atas, projeto político pedagógico da escola pesquisada, entre outros.  Guba e Lincoln (1981) apresentam uma série de vantagens para o uso de documentos na pesquisa ou na avaliação educacional. Em primeiro lugar destacam o fato de que os documentos constituem uma fonte estável e rica. Persistindo ao longo do tempo, os documentos podem ser consultados várias vezes e inclusive servir de base a diferentes estudos, o que dá mais estabilidade aos resultados obtidos.
As entrevistas foram elaboradas, objetivando investigar os princípios político-pedagógicos do MST, a metodologia de sala de aula, a formação dos professores, as concepções teórico-metodológicas adotadas, entre outras questões, para análise das contradições de gestão escolar. Para compreender melhor o funcionamento da gestão escolar foram envolvidos na pesquisa: professores, pais, alunos, direção escolar, coordenação escolar, secretário (a) escolar, e direção e coordenação regional e estadual e nacional do MST.

Discutindo sobre o tema...

A concepção de gestão como um conjunto de ideias estruturadas é recente. Data da primeira metade do século XX, tendo dentre os precussores modernos, sociólogos, administradores e psicólogos. Dentre os primeiros, destaca-se Weber que foi quem primeiro estudou a organização do trabalho de forma burocrática, por meio do qual o processo racionalizador é que se orienta a ajustar os meios com os fins que se tem dado a essa organização (WEBER, 1976).
Discutindo a questão da gestão no âmbito escolar, Oliveira (2002, p. 8) afirma que há um entendimento tácito entre os pesquisadores da área, de que “gestão” seria um termo mais amplo e aberto que administração, pois o referido termo implica participação e, portanto, traz a marca política da escola.
Observa-se também a utilização do termo gestão como processo dentro da ação administrativa, como também em outras ocasiões seu uso denota apenas a intenção de politizar a ação administrativa. O que se percebe é que há uma reação ao termo administração da educação, como consequência da forma descomprometida, “neutra” e tecnicista como ela se desenvolveu na década de 1970, trazendo consequências muito negativas à prática social da educação, gerando todo um movimento de reação e de mudança em sua concepção e prática (BORDIGNON, 2005, p. 147).
A gestão da educação no MST está totalmente imbricada às questões sociais e culturais pelas quais perpassam os sujeitos, sendo construída a partir da própria história, por isso, denominada por Caldart (2004), como a “Pedagogia em Movimento”.
Assim, o MST se caracteriza como comunidade humana que possui seu jeito próprio de fazer a educação acontecer, tendo elementos que extrapolam o espaço escolar, e constituindo outros instrumentos como espaço educativo, os quais refletem a maneira de ser, pensar e agir do Sem Terra, como as marchas, as assembleias, as reuniões de brigadas nos assentamentos e acampamentos, as ocupações, dentre outras.
Nessa perspectiva, é possível afirmar que educação não se restringe aos muros da escola, mas estende-se a todos os processos de aprendizagem gerados pela experiência vivida na luta organizada, independente dos espaços formais, informais, governamentais, não-governamentais. Ela é um fenômeno natural (com graus distintos de intencionalidade), espontâneo e aleatório; é uma prática social que é adquirida em muitos espaços e momentos educativos, nas relações sócio-culturais, no trabalho de formação da consciência, nos saberes sociais (OLIVEIRA, 2005, p. 37-38)

Caldart (2004) informa que a gestão da educação no MST é feita a partir da “ocupação” [3] da escola pela comunidade escolar, com vistas à democratização da gestão escolar e a apropriação dos espaços públicos pelos setores populares, e ainda, a um projeto social que se coloque além do capitalismo e se situe no embate das lutas de classes (MARTINS, 2008, p. 2). Acredita-se que, dessa forma, está exercendo uma gestão desburocratizada.
Para pensar nessa forma de educação diferente, foi preciso gestar uma proposta de educação específica, construída de forma coletiva com os educadores, bem como buscar mecanismos para garantir uma formação inicial e continuada aos professores, o que levou o grupo, nas discussões do coletivo de educação, criar os princípios filosóficos[4] e pedagógicos do Movimento. Esse material pedagógico foi sistematizado pelo Coletivo Nacional de Educação do MST, criado em 1990, e tem como arcabouço teórico a concepção de educação transformadora de Paulo Freire, Pristrak, Makarenko. O objetivo central é a formação humana e a conscientização mediante reflexão de sua prática social, tendo o trabalho como princípio educativo, sendo que essa prática social passa a ser a matriz geradora de conteúdos, metodologias e debates educacionais (SOUZA, 2006, p. 216).
Assim, a gestão democrática, proposta para acontecer em escolas de assentamentos e acampamentos, tem como princípio a autogestão, pois prima por ter autonomia em relação ao Estado no que se refere a elaborar programas, métodos e técnicas para serem desenvolvidos nas escolas. Para Souza (2006, p. 218),
é uma prática estimulada pelo MST com o intuito de construir uma escola e um ensino a partir das demandas sociais. A autogestão traz em sua prática a necessidade de superação das relações de poder na escola. (...) Nesse sentido, a escola com a participação efetiva da comunidade cobrando, através da administração escolar o cumprimento das responsabilidades do Estado, rompendo com as relações de poder vertical entre este e a sociedade.

A escola que serviu de objeto de estudo dessa pesquisa fica localizada no município de Barra do Choça – BA. Este município situa-se a 500 km de Salvador, capital do Estado. Sua população é de aproximadamente 32.419 habitantes, conforme previsão do IBGE para o ano de 2009, e possui uma área de 718, 3 k². A economia predominante é o café, responsável por 83% da produção, seguida de feijão, milho, mandioca, pecuária leiteira e de corte, além de apicultura.
O sistema municipal de educação compreende secretaria de educação, coordenações, departamentos, chefias de divisão, assessorias e escolas. Adota-se a definição de Martins ((2008, p. 42) para compreender a definição de sistema de educação, na qual este é visto como o resultado da educação sistematizada, que se desenvolve conscientemente a partir dos problemas da situação, cujas causas devem ser identificadas por meio de um conhecimento contextual, e segundo uma teoria educacional estabelecida.
No que se refere à organização da gestão da educação do MST na regional Sudoeste da Bahia, onde está a escola pesquisada, a educação se fez presente desde a fase de acampamento. Porém, apesar de as escolas estarem organizadas com base na burocracia estatal, todas mantêm vínculo político/ideológico com o Coletivo de Educação do MST.                                                                   

Observa-se uma disposição hierárquica, ainda que em forma de coletivos, dividida da seguinte forma: Direção Estadual, Coordenação Estadual, Direção Regional, Coordenação Regional, Coletivo Regional, Coordenações de Áreas, o que caracteriza a presença de uma “burocracia diferenciada”, pois há submissão de uma instância sobre a outra, em escala decrescente, porém, com horizontalizalização entre os coletivos para decidirem os trabalhos a serem executados por todos. É importante salientar que cada grupo está intrinsecamente conectado ao outro, seja no diálogo ou na realização conjunta de tarefas. A direção e coordenação regionais dialogam com a direção e coordenação estadual e trazem as deliberações para o coletivo regional, que por sua vez passam o que ficou decidido para as coordenações de área. E tais coordenações fazem os encaminhamentos junto ao coletivo da escola.
Assim, o coordenador de área (gestor[5]) do MST deve observar as determinações do que é discutido no movimento, e também participar das reuniões e decisões das secretarias municipais de educação. Nessa dualidade de espaços, muitos conflitos são vivenciados, pois a pedagogia educativa do MST, conforme sua proposta pedagógica, é socialista, dicotomizando quanto aos fins e meios da burocracia estatal (Secretarias Municipais de Educação - SEMED) que está inserida no sistema capitalista.
Tais conflitos são referentes à aceitabilidade por parte das Secretarias Municipais de Educação (SEMED) quanto à implementação da proposta de educação do Movimento e também sobre a escolha do quadro profissional para atuar em tais escolas, porque, geralmente, as SEMED têm uma relação de professores concursados ou selecionados com base em portarias ou editais. Porém, nem sempre os profissionais que se encontram na sequência das listas apresentam o perfil de profissional para assumir funções em escolas de assentamentos, porque nem todos coadunam com os objetivos político/ideológicos do MST. E quando isso não acontece acaba implicando na implementação da proposta educacional do Movimento. Outro conflito é quando existe opinião formada negativamente dos secretários municipais e equipes de trabalho das SEMED sobre o MST, o que acaba dificultando a legalização das escolas nos assentamentos e o acesso aos recursos humanos e financeiros para as escolas.
Vale ressaltar que essas coordenações de área são pessoas indicadas pelo MST e que são militantes ou ativistas dentro desse movimento social. E como nesse caso está assumindo uma função burocrática pública, pois para as SEMED eles são os gestores, então, terminam exercendo o papel de burocrata estatal e ao mesmo tempo, deixando transparecer a sua militância nos dois espaços.
Gestão da Escola Municipal Emiliano Zapata sob a ótica do MST - esse nome foi dado para a escola em homenagem ao mexicano Emiliano Zapata que lutou em prol da classe trabalhadora. Para o Movimento, esse nome é mais valorizado do que o nome oficial de escola – Escola Municipal São José - porque representa um nome de militância e dedicação ao povo. De acordo com o estudo feito por Honorato isso fica bem evidenciado:
Para o Movimento a escola se chama Escola Municipal Emiliano Zapata, nome este em homenagem ao líder Zapatista Mexicano. Como é o setor de educação do MST que dá as linhas político-pedagógica e administrativa da escola, todos os educandos, bem como os educadores reconhecem a escola com o nome do revolucionário Zapatista (HONORATO FILHO, 2006, P. 62).
A gestão cumpre determinações do MST no sentido de tentar fazer com que aconteça a implementação da proposta pedagógica e realiza reuniões com todo o grupo da escola, sempre no coletivo. A escola tem a seguinte estrutura organizacional na qual todos fazem parte do seu coletivo pedagógico:
Coordenação de área: articula as questões político/ideológicas e pedagógicas do MST com as questões administrativas e pedagógicas oficiais, organiza as reuniões de planejamento, é responsável pela parte burocrática da escola junto aos órgãos da burocracia estatal, estabelece parceria da escola com a comunidade, cuida da implementação da proposta pedagógica do Movimento na área de sua responsabilidade, participa das reuniões do coletivo de educação e faz com que as determinações deste aconteçam na escola.
Secretária escolar: cuida da parte documental e auxilia a coordenação de área nas questões pedagógicas e de disciplina dos alunos.
Educadores: lidam diretamente com os educandos fazendo o trabalho de mediadores do conhecimento. Articulam o currículo escolar formal com os objetivos pedagógicos e políticos/ideológicos do MST.
A coordenação de área passa por algumas dificuldades para realizar o seu trabalho de mediação entre MST e SEMED, pois em conversa com a coordenadora da referida escola sobre o seu relacionamento com a Secretaria Municipal de Educação, a resposta foi: “Sempre nas reuniões ou atividades desenvolvidas pela SEMED, ou somos avisados quando a reunião já está acontecendo ou não somos avisados. Dificilmente a comunicação chega antes” (anotações do diário de campo em 09/04/10). Retrata, assim, a forma de tratamento dispensado pela SEMED à gestão da referida escola, o qual parece ser de descaso.
A gestão e a formação político/pedagógica: a formação política está ligada à formação da consciência política das pessoas que fazem parte de uma organização (BOGO, 2008, p. 31). Uma das preocupações da gestão no MST é que a educação extrapole o âmbito formal e burocrático, e aconteça também em outros espaços educativos, como: marchas, mobilizações, assembleias, e que seja relacionada à história do próprio Movimento e da sociedade. 
A formação política tem tanta importância para o Movimento que foram instituídos setores responsáveis para realizá-la: o setor de educação e o setor de formação. O objetivo do setor de formação é posibilitar uma formação sociopolítica aos “Sem Terra”, fazendo-os compreender o sistema capitalista, as razoes históricas da situação dos trabalhadores, as alternativas ao modelo político e econômico vigente, etc. (MORISAWA, 2001, p. 205). Atualmente, o local de realização da formação política de lideranças dos Sem Terra tem sido a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF)[6] que surgiu com o propósito de fazer pensar, planejar, organizar e desenvolver a formação política, técnica, ideológica dos militantes e dirigentes do Movimento (MST, 2005).
No setor de educação o trabalho está relacionado à implementação de uma proposta pedagógica de base marxista voltada para os valores humanistas e socialistas, tendo como norte os princípios pedagógicos e filosóficos do Movimento. Observando os materiais pedagógicos produzidos pelo setor de educação do Movimento, constata-se nos referenciais teóricos a presença de intelectuais marxistas a exemplo de Antonio Gramsci, Mao Tse-tung, Engels, Rosa Luxemburgo, Pristrak, György Lucácks, Karl Kaustky, Lênin, Kollontai, Paulo Freire, Anton Makarenko, José Martí, dentre outros. Encontramos a ideologia do Movimento sistematizada em seu projeto político pedagógico, onde se lê:
“... um processo pedagógico que se assume como político, ou seja, que se vincula organicamente com os processos que visam a transformação da sociedade atual e a construção, desde já, de uma nova ordem social, cujos pilares principais sejam, a justiça social, a radicalidade democrática e os valores humanistas e socialistas”. (Cadernos do MST, 1995, p.6.)

Assim, o gestor do MST deve ser um militante com preparo político e técnico para fazer com que essa formação político/pedagógica nas áreas de assentamentos aconteça tendo como referência a qualificação de pessoas para a intervenção social. O que só é possível por meio de uma educação que estimule a criticidade, a participação social e a preocupação com a formação integral dos educandos. Para tanto, faz-se necessário que os elementos pedagógicos como: conteúdos, planejamento, metodologia e currículo, sejam voltados para o alcance de tais objetivos. Nesse sentido, vale a pena analisar o que cada um desses elementos representam para a comunidade escolar pesquisada, tendo em vista que estão relacionados com a forma de gerir a escola, que se constitui como objeto desse estudo.
Vale ressaltar que, de acordo com o setor de educação do MST, todo o processo pedagógico deve ser elaborado de forma conjunta pelo coletivo de educação de cada assentamento. E é de responsabilidade do gestor acompanhar e coordenar esses momentos, nos quais a burocracia se faz presente através da formalização dos planejamentos e da sistematização dos conhecimentos, que serão cobrados, posteriormente, classificando os alunos por meio das notas.
a) conteúdos: de acordo com a orientação do setor de educação, os conteúdos devem levar em consideração os princípios educativos do Movimento, ou seja, a relação com a terra, o trabalho, a produção das relações sociais da comunidade, a coletividade, a cultura, partindo da própria realidade. Leva em conta o trabalho com os temas geradores da pedagogia freiriana. No caso da escola pesquisada, observa-se, de acordo com os entrevistados que há um esforço da gestão no sentido de implementar tal proposta:
1 - A escola trabalha sobre os transgênicos e a importância dos alimentos orgânicos. Porque principalmente a gente ta comendo os alimentos saudável, saber como são as coisa, como tomate, maçã, estão tudo contaminado com transgênico. Aqui não por que é tudo coisa orgânica, a gente trabalha plantando, cuidando, essas coisa toda, até se precisar de alguma coisa, já pode comer por que não tem nada a ver, já os outros não... (MARIA NEIDE, ALUNA DA EJA).

2 - Na parte de História eu sinto que pede para você fazer uma contextualização do conteúdo de História com a realidade social, no caso do assentamento, do educando, e no caso de você tentar desenvolver nesses alunos essa forma de pensamento coletivo que é a educação do MST (PROFESSOR JOÃO – ENSINO FUNDAMENTAL).

Observa-se, então, na primeira fala, que existe realmente uma preocupação em trabalhar os conteúdos vinculados à realidade e às questões sociais, desenvolvendo a criticidade, além de um currículo que busca atender as especificidades do homem do campo, e na segunda, nota-se que os professores tentam implementar uma pedagogia que supere os valores negativos do capitalismo, como individualismo e a acomodação, introduzindo valores socialistas pautados no companheirismo, solidariedade e consciência organizativa.
b) planejamento: o planejamento organizado pela gestão educacional do MST vai além da preparação de aulas, como às vezes é entendido. Ele tem a ver com o conjunto de atividades desenvolvidas pela escola. E mais, com a intervenção na realidade que a escola vai adotar. (...) Acontece de forma coletiva, combinando participação e divisão de tarefas. (Caderno de Educação, nº 06, 1995, p. 7). Ainda de acordo com a proposta pedagógica do MST o planejamento deve acontecer com a participação da comissão de educação do assentamento, representantes dos pais, dos educandos e de educadores. Por isso, quando um educador começa a trabalhar no MST, acha diferente a forma de planejar, que muitas vezes estava acostumado com a elaboração de aulas, como pode-se observar nas falas abaixo com base em anotações do diário de campo da observação participante feita em uma reunião de planejamento da escola pesquisada:
“todo educador quando entra no MST passa por uma reeducação, começa a ver a educação de outra forma, tem uma liberdade para discutir, e na educação tradicional não tem essa oportunidade” (PROFESSOR PEDRO- ENSINO FUNDAMENTAL).

“Aqui nós temos mais o que aprender do que o que ensinar” (PROFESSOR MOISÉS – ENSINO FUNDAMENTAL).
 Outro aspecto a ser ressaltado é que, na reunião de planejamento em que a pesquisadora estava presente, não houve participação de todos os segmentos da comunidade escolar, contando apenas com a participação dos educadores, da gestora e da secretária escolar, na qual foi definida a agenda do planejamento de datas comemorativas e projetos pedagógicos, da participação em atividades específicas do MST e informes da SEMED.  É importante destacar que todos os itens discutidos foram colocados em votação pela gestão, e todos os presentes puderam opinar. Assim, observa-se que a prática democrática e participativa nas reuniões de planejamento compostas de todos os segmentos, como está explícito na proposta do MST, não acontece, bem como o planejamento com base na realidade de cada comunidade, pois de acordo com a coordenação de área[7] da escola (gestão) e a coordenação regional, existe um planejamento prévio antes do que acontece na escola para tirar as linhas do que vai ser planejado em cada assentamento.
A gente trabalha no coletivo, então assim, até os nossos planejamentos, as linhas gerais que a gente chama, as linhas gerais do próprio setor, a gente faz as linhas pra todas as escolas, e aí, a partir dessas linhas gerais, a gente constrói o PPP de cada escola, e através desse PPP a gente consegue fazer nossos planejamentos da nossa escola. Então, assim, a coisa é ligada sempre à outra. Geralmente em datas comemorativas, assim nesse sentido maior a gente procura sempre fazer uma coisa conjunta, celebra tudo numa mesma época pra gente não ficar, até porque os próprios professores, eles se conhecem, se comunicam, pra não dizer: na minha escola aconteceu tal coisa... Então a gente acaba fazendo as coisas, trabalhando nessa questão mesmo bem coletiva pra não ter choque na programação nossa (KATIARA, COORDENADORA REGIONAL DO SETOR DE EDUCAÇÃO).

Coincidindo com a fala da coordenação regional, a coordenadora de área (gestora) da escola pesquisada observa:
Existe o setor de educação, onde este setor é composto por diversas pessoas, que compreende diversas outras escolas, desde o município de Vitória da Conquista à Divisa que a gente chama, que são as escolas de Ribeirão do Largo, Cordeiros, e esses outros municípios, Iguaí, Barra do Choça, então essas pessoas se reúnem e sentam e planejam o que vai acontecer nas escolas de assentamento, levando em consideração a realidade de cada um dos assentamentos (IDAIANE SALES, COORDENADORA DE ÁREA).

Quando interpelada se existe a participação dos outros segmentos no planejamento da escola, a coordenadora ressalta:
Não. A gente tira essas definições e aqui leva a proposta para a comunidade, onde lá no assentamento existe a coordenação do assentamento, que representa a comunidade, aí eles analisam se acrescenta mais alguma coisa, ou se há alguma coisa que não convém estar aplicando, e aí, decide junto, levando para os educadores e educandos, aí sim, ela é aplicada (IDAIANE SALES).

Nesse caso, observa-se a presença da democracia representativa quando algumas pessoas da comunidade decidem, em nome de todos os assentados. Porém, conforme dito anteriormente, isso não foi comprovado na pesquisa empírica.
c) metodologia: de acordo com a proposta pedagógica, o MST tem como elementos fundamentais o trabalho com temas geradores, cujo objetivo é partir da realidade dos educandos, tentando superar as situações-limites apresentadas nos assentamentos, fazendo com que os conteúdos apareçam de forma contextualizada e interdisciplinar. Outro aspecto é a integração teoria-prática para que haja o domínio da técnica e da teoria, e que essa teoria possa ser transformada em conhecimento científico a partir da prática e da necessidade da comunidade. Leva-se em consideração também a preocupação com a formação de sujeitos questionadores, capazes de manifestar  opiniões próprias, e o professor deve ser o mediador do conhecimento, educando-se coletivamente. É o que fica evidencido na entrevista com a aluna da 8ª série: “Existe uma diferença das outras escolas para as escolas de assentamento. Que nas outras escolas professor é professor, aluno é aluno, aqui, professor se torna amigo do aluno...” (KELLY PEREIRA).
d) o currículo: no currículo predomina a base nacional comum de caráter obrigatório, porém, na parte diversificada observa-se a presença de disciplinas voltadas para o desenvolvimento de valores coletivos e também de estudos voltados para o campo. Assim, percebe a garantia dos direitos expressos na LDB 9394/96:
Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
                Na parte diversificada, o movimento trabalha com a disciplina de Cooperativismo, cujo objetivo é ensinar noções de cooperação, bem como preparar os educandos para trabalhar nas cooperativas dos assentamentos. As questões voltadas para a educação do campo são trabalhadas de forma interdisciplinar, conforme se observa nos trechos das entrevistas abaixo:
1- A escola do movimento ensina a trabalhar com horta, com plantação... (MARIA NEIDE, ALUNA DA EJA).
2 - A proposta é trabalhar com conhecimentos diferentes, trabalhar com conhecimentos do lugar onde vive, é diferente de outras escolas porque aqui no assentamento ele convive com essa realidade, está o tempo todo em contato com ela... (JOANA, PROFESSORA DO ENSINO FUNDAMENTAL).
3 - A gente estuda muito sobre cooperação... Sempre tem muita cooperação no Movimento (...) pelo jeito de trabalhar e com criatividade. A gente nunca deve estar sozinha porque a gente sozinha não é nada (KELLY PEREIRA, ALUNA DA 8ª SÉRIE).
                Tem-se a presença do currículo formal, expresso por meio dos planos de curso, sistematizados em forma de conteúdos, mas é importante salientar também a existência do currículo oculto no qual se expressa todas as subjetividades dos sujeitos, e também, a questão político/ideológica do MST contida nas místicas, nos símbolos, nos gestos, na memória construída no dia-a-dia do assentamento que reflete no ambiente escolar.
Para prosseguir a luta pela transformação da sociedade o MST propõe uma educação diferenciada que leva em conta valores políticos, pedagógicos, ideológicos e culturais com vistas a atingir tal objetivo. Porém, para isso, é preciso que este movimento social tenha nos seus assentamentos o uso da burocracia estatal, que se faz presente por meio da educação como política pública, para, assim, cumprir o direito constitucional de que o Estado garanta a cidadania do seu povo. Se os assentados são cidadãos brasileiros e pagam impostos, é obrigação do Estado brasileiro garantir a implementação das políticas publicas nas localidades onde eles moram.
            Entretanto, essa burocracia estatal também está presente nas áreas de assentamentos dos Sem Terra na forma de repressão e coerção policial, agindo como um braço do Estado para desarticular a luta dos trabalhadores em favor da classe dominante como relata Marx. No que se refere à luta pela terra, ao mesmo tempo em que os trabalhadores lutam contra o Estado que favorece os latifundiários, lutam também para que esse mesmo Estado garanta seus direitos, utilizando como instrumento burocrático o Estatuto da Terra.
O que diferencia o MST dos demais movimentos sociais é a sua forma de lutar com características de movimento popular em que abarca todos: homens, mulheres, crianças, anciãos (FERNANDES, 2000, p. 84). Nesse sentido, essa é uma forma de fazer a educação acontecer, pois se todos estão incluídos nesse processo educativo de resistência popular, vão verificando que a aprendizagem ocorre não só em espaços escolares, mas também nas marchas, nas reuniões, nas discussões de encontros nacionais e estaduais, nos seminários, assembléias, dentre outros. Essa educação “diferente” colocada por Caldart (2004), redunda obviamente na forma de gestão, que precisa ser mais política e envolvida com as causas do povo SemTerra, ou seja, militante.
Entretanto, a burocracia estatal necessita de um gestor nas escolas de assentamento que faça cumprir portarias, decretos, leis, que sirvam para regulamentar as escolas nos moldes do estado capitalista, constituindo assim, um dos maiores dilemas enfrentados por esses gestores, cujo papel a desempenhar dentro dos assentamentos é o de alguém que coordena a educação e exerça a militância ao mesmo tempo com base nos pressupostos de uma pedagogia socialista. Com base na revisão de literatura e na fonte documental analisada na escola pesquisada é possível verificar algumas diferenças entre a burocracia que existe no âmbito da burocracia estatal e do MST, tendo como base Santos (2010):

BUROCRACIA WEBERIANA (capitalista)
BUROCRACIA NO MST (socialista)
1. Precisão na definição do cargo e na operação, pelo conhecimento exato dos deveres.
A definição dos cargos acontecem nos encontros e são sugeridos pelas direções, podendo ser aceitos ou não.
2. Rapidez nas decisões, pois cada um conhece o que deve ser feito e por quem e as ordens e papéis tramitam através de canais preestabelecidos.
As decisões demandam reuniões para discussão nos coletivos, e quando for o caso, em assembléias nos assentamentos, com divisões de tarefas de acordo com as aptidões à cada tarefa realizada.
3. Univocidade de interpretação garantida pela regulamentação específica e escrita. Por outro lado, a informação é discreta, pois é fornecida apenas a quem deve recebê-la.
As decisões não são formalizadas por meio de regulamentos, e são tomadas em grupo.
4. Uniformidade de rotinas e procedimentos que favorece a padronização, redução de custos e de erros, pois os procedimentos são definidos por escrito.
Não há rotinas, formalizações ou padronização porque o trabalho segue a dinâmica do Movimento que é dialético, havendo sempre mudanças de acordo com o processo histórico.
5. Continuidade da organização através da substituição do pessoal que é afastado. Além disso, os critérios de seleção e escolha do pessoal baseiam-se na capacidade e na competência técnica.
Os critérios de seleção e escolha baseiam na aceitação dos valores político/ideológicos difundidos pelo MST e na formação conforme a função a ser ocupada.
6. Redução do atrito entre as pessoas, pois cada funcionário conhece aquilo que é exigido dele e quais são os limites entre suas responsabilidades e as dos outros.
Os atritos são resolvidos com base no diálogo e nas avaliações em grupo.
7. Constância, pois os mesmos tipos de decisão devem ser tomados nas mesmas circunstâncias.
As decisões devem ser tomadas de acordo com a conjuntura de cada momento, sempre levando em consideração a coletividade.
8. Subordinação dos mais novos aos mais antigos, dentro de uma forma estrita e bem conhecida, de modo que o superior possa tomar decisões que afetem o nível mais baixo.
Não existem relações de subordinação a chefes, e sim cumprimento de definições que foram tomadas de forma coletiva.
9. Racionalidade e sistematização dos dados
No que se refere à educação há também racionalidade e sistematização dos dados escolares dos alunos e a presença de uma autoridade representada pelo coletivo do setor de educação
9. Confiabilidade, pois o negócio é conduzido de acordo com regras conhecidas, sendo que grande número de casos similares são metodicamente tratados dentro da mesma maneira sistemática. As decisões são previsíveis e o processo decisório, por ser despersonalizado no sentido de excluir sentimentos irracionais, como o amor, raiva, preferências pessoais, elimina a discriminação pessoal.
Não há impessoalidade, pois as definições do cumprimento de tarefas varia a cada nova atividade, dependendo do nível de conhecimento e habilidade de cada um, e há uma relação de solidariedade, respeito e cooperação.
10. Existem benefícios sob o prisma das pessoas na organização, pois a hierarquia é formalizada, o trabalho é dividido entre as pessoas de maneira ordenada, as pessoas são treinadas para se tomarem especialistas em seus campos particulares, podendo encarreirar-se na organização em função de seu mérito pessoal e competência técnica.

Não existe uma carreira estabelecida nas funções, pois estas são temporárias e dependem das definições de cada encontro feito para avaliar os quadros. No caso da educação que exige formalização, estas formalidades existem apenas no âmbito da burocracia estatal para efeitos de legalização escolar. Porém, para o MST, o gestor é um coordenador militante que ajuda na tarefa de fazer a educação acontecer.

No que se refere à análise das categorias a autonomia foi uma categoria bastante mencionada tanto no âmbito dos sujeitos para com a escola, quanto da escola para com a SEMED. A noção de autonomia não é estranha ao ideário neoliberal com as suas políticas de descentralização de recursos, ou mesmo de relações no contexto escolar.
Quando se trata de educadores o debate gira em torno das questões profissionais, trazendo à tona aspectos da profissionalização e proletarização com discussões acerca do trabalho docente. Outro aspecto discutido é a autonomia das escolas quanto ao currículo escolar e as práticas educativas. A devolução de competências às escolas públicas é a forma de encomendar-lhes o desenvolvimento e a concretização dos planos administrativos, de forma que possam ser adequados à diversidade social. Mas também, de acordo com as novas tendências da inovação educativa, espera-se que as escolas funcionem ainda como entidades com identidade própria, que gerem um sentimento de pertença nos professores (CONTRERAS, 2002, p. 240). É nesse contexto que se insere a autonomia discutida pelo MST, na qual os sujeitos possam assumir responsabilidades em relação à educação, envolvendo em seus princípios e práticas para que possam implementar a proposta de educação do Movimento.
Tratando da autonomia da gestão da escola pesquisada em relação à SEMED, de acordo com a coordenação,
A gestão tem “autonomia” para com a proposta pedagógica do MST porque nesse sentido existe um setor de educação do Movimento, onde a gente sempre discute o que deveria estar sendo implementado nas escolas, e a gente passa para a secretaria de educação uma vez que já existe uma conversa com a secretaria, no sentido de que a educação nas escolas de assentamento é diferenciada. (...) Eles não intervêm. A gente faz os planejamentos sem intervenção da secretaria. Agora não é nenhuma relação que a gente possa dizer que é 100%. Eles meio que olhando de lado. (IDAIANE SALES – COORDENADORA).

Observa-se que mesmo havendo discussão dos órgãos oficiais para a descentralização da educação, o MST ainda tem uma certa dificuldade de mantê-la. Para o secretário de educação, essa autonomia é garantida, porém, com o controle da SEMED:
Nessa parte pedagógica nós sabemos que o Movimento tem atividades que próprias da sua dinâmica, de seu funcionamento. E também ele participa com a secretaria daquelas atividades como viagens, encontros, palestras que são realizadas e também essas atividades que são desenvolvidas dentro da proposta pedagógica mas que existe uma concordância entre a secretaria e o Movimento de forma que é atendido aquilo que é determinado, que é proposta pelo município de uma forma que protege aquelas questões particulares do município (MARCOS VIANA, SECRETÁRIO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO)
                    
Quando se trata da autonomia no contexto interescolar, os professores destacam a autonomia para realização dos planejamentos e atividades da escola. Nesse sentido a professora Kelly ressalta:
O planejamento é diferenciado das outras escolas porque aqui você vê realmente que nós não pegamos algo pronto, feito. Nós é que criamos. (...) Serve para estar passando o que aconteceu na escola, o que está acontecendo e algumas atividades para que a gente fique por dentro.
                    
Apesar de que durante a realização da pesquisa de campo, durante a observação na realização dos planejamentos não tenha sido notada a participação da comunidade na realização deste, a coordenadora afirma que existe autonomia na realização dos planejamentos com participação:
Não existe interferência da secretaria, só do Movimento. A gente sempre discute os eventos que vão estar acontecendo. O que deveria ser trabalhado nas escolas, como a questão da horta por exemplo. Então a gente leva para o planejamento, onde a gente discute com a comunidade externa e com a comunidade interna (IDAIANE SALES – COORDENADORA).
                    
Outro aspecto de discussão da autonomia evidenciado na pesquisa se trata da escolha dos funcionários para trabalhar na escola. Houve uma luta do MST junto à secretaria municipal de educação de Barra do Choça, onde fica a Escola pesquisada para que lá essa autonomia fosse garantida. Nesse sentido, destaca a observação da dirigente regional, Katiara Figueiredo:
Nessa questão a gente tem muita dificuldade. Por exemplo: a gente tem dificuldade na seleção de professores. Seria importante se a gente pudesse fazer indicações. Então assim, esse ano a gente teve que passar por um processo de seleção. A gente pediu que todos os professores que trabalhou com a gente o ano passado participasse dessa seleção. Participaram pessoas que a gente acreditava que passaria na seleção. Não passaram. Então assim, pessoas que eram aqui do município de Conquista, por exemplo, e que assim, o currículo é muito bom, a questão dos certificados, elas tinham muitos certificados, e ia contar a questão de horas. Ia ser por título, e as que fizeram tinha muito título. Não passaram por quê? E agora o próprio município de Barra corre o risco de participar de uma greve por conta dessa seleção. Então assim, a gente sente mais dificuldade nessa questão mais burocrática. Na questão mais pedagógica a gente tem mais autonomia, de elaborar projetos, de elaborar PPP, de elaborar atividades a gente consegue fazer isso bem (KATIARA FIGUEIREDO).
           
O fato de o Movimento querer fazer indicações, limitando a participação das pessoas no processo democrático torna-se contraditório uma vez que um dos objetivos do MST é lutar para a efetivação da democracia na sociedade. Ou seja, pela justiça e a igualdade de direitos sociais. Quando questionada sobre isso a dirigente respondeu:
O por quê que a gente indica os professores? Por que assim: nós do movimento, além da pedagogia que a gente diz, a gente tem os cursos de formação de educadores, desde o magistério, até a pedagogia, e a gente forma esses professores. Então, o por quê que a gente indica? Por que são pessoas do próprio movimento, filhos de assentados, alguns que já são filhos de assentados, ou já moram no assentamento com assentados. Então assim: são pessoas que se identificam com o aluno. Qual a nossa preocupação? É de qualquer pessoa, professor que não conhece nada do Movimento, aqui a gente teve várias experiências assim, de pessoas que não conhecem nada, que mal ficam, ficam um mês, dois e quer ir embora por que não conseguem se adaptar ao acampamento, por que não conseguem se adaptar à comunidade, e nem à própria escola, e nem à pedagogia nossa. Então aí a gente indica pessoas do próprio município também que a gente acaba fazendo indicação. Alguém que a gente percebe por exemplo, tem fulano de tal, que consegue se identificar com algumas propostas do Movimento, ou que se identificam com o assentamento. Então a gente faz essas indicações, mesmo, então assim na Barra do Choça, esse ano a gente não fez essas indicações, mas a gente quis participar do processo depois. Depois da seleção, a gente participou da seleção dos professores que iriam para as escolas, então assim, tinha professores que diziam pra gente: tem professores que visitam a secretaria de educação, que estão indo pra lá, mas vão ser professora que diz: “nem me invente nada, nem uma tarefa extra-escola, que eu não vou fazer?”
           
Observando a última frase dessa citação é possível compreender porque o MST prefere indicar os professores, contradizendo os princípios de igualdade. Pois para implementar uma pedagogia com base em valores socialistas, cujo objetivo seja a transformação social, é difícil tendo em seu corpo de educadores pessoas que não estejam dispostas a realizar um trabalho coletivo e que se dedique à questões político/ideológicas, como ele propõe.
Sobre as indicações, o secretário municipal de educação do referido município se assemelha à fala da dirigente, garantindo ao MST relativa autonomia:
Até o ano de 2009 a escolha foi feita exclusivamente pelo movimento com exceção de, como disse no início, com exceção de alguns professores que são convidados pelo município,  e já são nomeados para a escola. Professores desses que alguns fazem parte do movimento também. E esse ano a gente realizou uma seleção para a contratação de professores e esses professores que já trabalhavam na escola puderam se inscrever neste processo seletivo, já com o resultado da seleção   nós chamamos  a coordenadora da escola e também do Movimento e permitimos a participação na escola, mesmo passando por um processo seletivo, das pessoas que fossem atuar o Movimento também sempre têm colocado aquelas pessoas que após o processo de avaliação tenham ou não um perfil  para trabalhar. E a gente tem  o observado e respondido nesses pontos e assim. Alguns profissionais foram chamados de acordo com o processo seletivo, mas, eles vão passar por um processo de avaliação de adaptação no Movimento e no período posterior a gente vai poder estar discutindo com o Movimento  e atendendo dentro daquilo  que a gente vai observar se vai corresponder ao nosso jeito (MARCOS VIANA, SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO).
           
Nesse sentido, fica evidente a luta do Movimento contra a burocracia estatal para garantir que a tão propalada descentralização prometida pelos órgãos oficiais aconteça in loco, não com o sentido de fazer com que aconteça o ideário neoliberal nos assentamentos, mas aproveitando essa oportunidade para fazer uma educação voltada para os interesses da classe trabalhadora.
Outra categoria que merece destaque é o trabalho coletivo, tendo aparecido em quase todas as entrevistas, denotando que é algo realmente trabalhado no MST. Faz parte dos valores trabalhados com o intuito de mudar a forma de entender a realidade, abandonar as formas individualistas do capitalismo, e desenvolver uma consciência onde todos devem se submeter ao coletivo.
No caso do dirigente, este fortalece a direção quando se coloca à disposição do coletivo para cumprir as tarefas mais difíceis delegadas pelo coletivo (BOGO, 1999, p. 123). Esse é um exercício difícil de fazer quando as pessoas estão acostumadas a trabalhar de forma individual. Por isso, é necessário um processo de formação e de mudança de consciência para atingir esse patamar. Na Regional Sudoeste, espaço dessa pesquisa, a fala da dirigente, confirma esse trabalho:
Então assim, a gente trabalha coletivo, a gente periodicamente se reúne, e eu que faço o papel de ta dirigindo o setor na regional, eu sempre estou em contato com a pessoa de Idaiane que coordena escola lá. Geralmente a gente faz reunião lá com a própria comunidade, com os educadores e com o próprio secretário de Barra do Choça. Então a gente fica interligado com o que está acontecendo lá, por meio principalmente de reuniões (KATIARA FIGUEIREDO).

Caldart (2004, p. 179) afirma que esse é um aprendizado importante que possibilita a passagem do que poderíamos chamar de uma ética do indivíduo para uma ética comunitária, que depois poderá desdobrar em uma ética do coletivo. Nesse sentido, o MST começa trabalhando com a solidariedade, a socialização do que as pessoas têm, como alimentos, remédios, ou mesmo na ajuda mútua no trabalho, como mutirões.
Dessa forma, há uma conscientização de que o indivíduo não vive sozinho, e sim como ser de relações sociais que visem a produção e apropriação coletiva de bens materiais e espirituais da humanidade (MST, 1997, p.9). No caso da gestão, o trabalho coletivo está relacionado à participação.
Na gestão participativa tudo é decidido coletivamente, seja com alunos, com os pais, com o educador. Todos participam de todas as decisões da escola. Não sou eu por estar à frente da coordenação que vou decidir sozinha, mas sim, junto com o grupo, coletivamente (IDAIANE SALES – COORDENADORA).

Assim, vai ficando claro o tipo de gestão implementada na escola. O MST propugna uma gestão democrático/participativa que difere da que está proposta na burocracia estatal. Caldart (2004) define-a como gestão da ocupação da escola, na qual todo o processo acontece de forma coletiva, com a ocupação da escola pela comunidade. No caso da escola pesquisada, essa participação é percebida em algumas entrevistas:
A gestão da escola é assim: não somente trabalha com a escola, mas sim com uma coletividade entre escola e comunidade. Não somente os daqui que envolve, porque tem alunos de fora, e com toda a comunidade (PROFª KELLY).

Antes a gente tava fazendo as coisas da escola longe da comunidade, e a escola estava afundando. Aí, quando a gente percebeu que desse jeito não ia a lugar nenhum, e a escola sem a comunidade não vai, então nós fizemos uma parceria, com a comunidade. Hoje a comunidade está dentro da escola... (SR. ALVINO – ASSENTADO).

Com base nessas entrevistas, conclui-se que na escola Emiliano Zapata acontece realmente a implementação da gestão de ocupação da escola, ou democrático/participativa voltada para o trabalho coletivo.

À guisa da conclusão...
Assim, na pesquisa, algumas dificuldades e desafios enfrentados pelos gestores de áreas de assentamentos ficaram evidenciados, com destaque à gestão da referida escola:
1) A burocracia no processo seletivo de professores dificulta a implementação da pedagogia do Movimento Sem Terra, uma vez que a burocracia estatal às vezes envia para as escolas de assentamentos, professores que não comungam dos objetivos do MST. Esses profissionais que não tem uma formação para trabalhar com os valores do Movimento dificultam a realização do processo político/ideológico da proposta.
2) A rotatividade da gestão e dos professores dificulta a implementação da proposta e a continuidade dos trabalhos pedagógicos. Quando os professores vão trabalhar nos assentamentos, o MST inicia um trabalho de formação levando em consideração os seus princípios filosóficos e pedagógicos. Porém, quando esses educadores não se adaptam, devem sair para não emperrarem a implementação da proposta do Movimento. Saem também quando, por motivos pessoais encontram outras alternativas de vida, causando de certa forma, transtornos, pois geralmente seus substitutos também não tem formação político/ideológica para trabalhar nessas escolas.
O mesmo acontece com a gestão. Quando o coordenador/gestor precisa sair da sua função nos assentamentos, e o substituto é do Movimento não tem muitos problemas. A situação se agrava quando os secretários de educação responsáveis pelas respectivas escolas querem impor a presença de outro gestor indicado pela SEMED. Observa-se que para trabalhar no Movimento é necessário ter saberes específicos construídos no bojo da história das lutas dos trabalhadores, por meio do caráter histórico da educação. Nesse sentido, parafraseando Marx, observa Paro:
O ser humano ultrapassa o mero domínio da natureza, no seio da qual nasce, na medida em que apropria da cultura pela educação. É por meio desta que, no decorrer da vida, o ser humano se diferencia cada vez mais da natureza e se transforma, em sua personalidade, no ser humano-histórico, ou seja, no ser humano educado (PARO, 2007, p. 40).
O papel do gestor nas escolas de assentamentos é de fundamental importância por ser o mediador junto aos órgãos da burocracia estatal. Como “subordinado”, precisa atender as decisões administrativas, pedagógicas e burocráticas decididas por quem muitas vezes não tem vivência com os movimentos sociais do campo. Nesse sentido, o gestor de acordo com o MST, deve ser muito comprometido com o projeto pedagógico que seja construído pela coletividade da escola, e não com os projetos em forma de “pacotes prontos” nas instituições escolares. Assim, esse gestor deve ter um perfil que leve em consideração os seguintes elementos:
- capacidade de criar um ambiente educacional que tenha respeito e afetividade;
- exercitar a cidadania junto com a comunidade;
- pensar no crescimento profissional e pessoal de todo o coletivo da escola;
- ter uma relação humanizadora com todos.
3) Quando o MST conquista uma certa autonomia em determinados municípios para indicar seus profissionais da educação, há questionamentos por parte dos outros professores municipais, por achar que os Sem Terra estão tendo vantagens e privilégios. Isso é um dos motivos que acarreta um tratamento diferenciado dos colegas da rede municipal, que passam a olhar para os educadores das áreas de assentamento com preconceito e discriminação.
4) Outro elemento que dificulta a implementação da proposta do Movimento a ser enfrentado pela gestão é a dobra de turno dos educadores em outras escolas da rede municipal. Segundo a coordenadora da escola, fica difícil que esses educadores trabalhem com as atividades propostas pelo Movimento que exigem mais tempo disponível, devido à carga horária a ser cumprida na outra localidade onde trabalha. Além disso, há uma interferência na forma de trabalho desenvolvido, pois, no Movimento a proposta é de trabalhar com a educação do campo, que  leve em consideração os valores e as subjetividades do homem camponês. E muitas vezes quando alguns educadores trabalham e moram o outro turno na zona urbana, além de estar enraizados em uma cultura urbanocêntrica, sendo difícil se desvencilhar dos valores e da cultura citadina.
Algumas conquistas também foram enfatizadas. Dentre elas, apesar do descaso sofrido frente à burocracia estatal no que se refere à participação de reuniões e/ou outras atividades do município, já existe a participação da coordenação da educação do MST nas reuniões do Conselho Municipal de Educação e está garantida também a participação dos professores nas atividades do Movimento (marchas, seminários, encontros...) sem o questionamento da SEMED.
Aqui aparece o debate marxiano de que a sociedade é produto da história e do produto concreto dos homens, que são aquilo que produzem ou a forma como produzem. Observa-se então, que a gestão escolar do MST, no caso da escola pesquisada, tem tentado se inserir no debate junto à burocracia estatal, buscando fazer com que a educação no movimento aconteça de forma coletiva, dialética e dialógica, ou seja, “em movimento”, construindo a história do MST. Nesse caso, conclui-se que a gestão implementada pelo MST difere da gestão que leva em conta somente os princípios da burocracia estatal. Demandando, então uma nova denominação do que seria a “burocracia” nas escolas de assentamentos, pois esta está voltada para uma função social e tem o poder de decisão diluído nos coletivos. Preliminarmente, sugere-se que seja denominada de Racionalidade Coletiva, porém esse é um aspecto da pesquisa que necessita de mais estudos para que conclusões mais fundamentadas sejam obtidas.
Outra lacuna apontada nessa pesquisa é a diferença entre os princípios da gestão democrático/participativa do Movimento e a da burocracia estatal. Até os organismos internacionais como o Banco Mundial apontam para uma gestão democrática e participativa, na qual a comunidade deve estar cotidianamente na escola, por meio dos conselhos escolares, nas reuniões de pais, ou mesmo ajudando como voluntários (SOUZA, 2002). Isso é o que vem sendo imposto também pelo Governo Federal brasileiro por meio da descentralização na educação, a qual tem sido efetivada mediante o uso de mecanismos de base racional-legal. Entretanto, o objetivo dessa política é a transferência de responsabilidades do Estado para a sociedade civil, com o intuito de obter sucesso na implementação de práticas neoliberais e globalizadas (Idem).
Na perspesctiva weberiana, o movimento dialético de construção histórica não aconteceria porque ele seria previamente racionalizado e organizado com base no poder burocrático, produzindo estruturas de controle, poder e dominação, a partir de comportamentos planejados a priori como metas objetivas a ser alcançadas.
No debate sobre os movimentos sociais fica difícil definir em qual categoria o MST se encaixa, pois ao mesmo tempo em que ele tem tradição marxista, com líderes carismáticos, elementos que envolvem fatores psicossociais da tradição clássica, como a mística, os símbolos, a memória, tem materializado no sua prática um jeito sui generis de mobilizar os trabalhadores em torno de mudanças pontuais na sociedade com base em categorias como identidade e valorização da cultura, próprias dos NMS. Isso o torna bastante eclético. Faz parte do seu contexto o que Gohn (2007, p. 18) denomina de participação cidadã que é
lastreada num conceito amplo de cidadania que não se restringe ao direito ao voto, mas constrói o direito à vida do ser humano como um todo. Por detrás dele há um outro conceito que é o de cultura cidadã, fundado em valores éticos universais, impessoais. A participação cidadã funda também numa concepção democrática radical que objetiva fortalecer a sociedade civil no sentido de construir ou apontar caminhos para uma nova realidade social – sem desigualdades, exclusões de qualquer natureza.
É nesse contexto que se insere o MST. Ao mesmo tempo que luta por questões universais como a transformação da sociedade, se envolve numa rede de movimentos sociais da sociedade civil, voltando-se para aspectos pontuais que circundam em trono de questões de cidadania, às quais versam sobre problemas identitários e culturais, como: ecologia, sexo, raça, dentre outros.
Notável também pela sua capacidade de politização do tema da Reforma Agrária e de mantê-la na pauta nacional de discussão. O MST pode ser caracterizado por “um misto espantoso de religiosidade popular, revolta camponesa ‘arcaica’ e organização moderna, na luta radical pela reforma agrária e, em longo prazo, por uma ‘sociedade sem classes’” (idem).
No que se refere à transformação da sociedade, o MST tem como ideário a mudança para o socialismo, mas de acordo com Mészáros (2009, p. 78),
isso só seria efetivável com um projeto pós-capitalista. (...) Em outras palavras, é realizável apenas como um passo na direção de uma transformação sócio-histórica global, cujo objetivo não pode ser outro senão ir para além do capital em sua totalidade.
Para isso, o Movimento tem lutado em torno de um projeto popular com viés socialista para o país. E quando faz tal proposta, já assume feições de partido político. A centralidade da orientação ideológica e a importância da educação política como balizadoras da estrutura organizativas indicam uma clara similaridade à estrutura dos partidos socialistas da Europa Continental (DUVERGER, 1970, p. 36). Os objetivos  do Movimento estão além da defesa de direitos imediatos de saúde, habitação, moradia, educação, pois se expande para as questões ético-políticas quando faz proposições de um projeto para toda a sociedade, abarcando não somente os trabalhadores rurais, sintetizando uma pauta política com propostas totalizantes.
Logo, observa-se que o exercício da atividade docente em assentamentos do MST requer muitos aprendizados teóricos para ressignificar a prática dos profissionais do coletivo de educação, produzindo novos conhecimentos, voltados para a realidade da comunidade em que trabalha, levando em consideração aspectos culturais, sociais, políticos e econômicos, por meio dos quais o educador precisa estar sempre atento para, por meio da pesquisa, inserí-los no seu planejamento, a assim, “conscientizar” os alunos e ajudá-los na aquisição de aprendizagens significativas para a transformação da sociedade e para a coletividade, como propugna esse movimento social.

.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Senado Federal. Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9394/96.
BOGO, Ademar. Identidade e luta de classes. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

________ Lições de luta pela terra, Salvador: Memorial das Letras, 1999.

BORDIGNON, G. Gestão da educação: o município e a escola. In: FERREIRA e AGUIAR (ORGS), Política e gestão da educação. 4ª ed. SP: Cortez, 2005.


CALDART, R. S. Pedagogia do Movimento Sem Terra. Petrópolis: Vozes, 2004.
________ Projeto popular e escola do campo. Vol. 3. Brasília: Fundação Universidade de Brasília, 2000b.
CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.

DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
FERNANDES, B. M. ; CERIOLI, P. R. & CALDART, R. S. Primeira Conferência Nacional “Por uma Educação Básica do Campo”. In: ARROYO, M. G.; CALDART, R.S. & MOLINA, M. C. (Orgs.). Por uma Educação do Campo. Petrópolis: Vozes, 2000.

FRIGOTTO, Gaudêncio. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1991. p.69-90.

GOHN, M. G. Movimentos e lutas sociais na história do Brasil, São Paulo: Edições Loyola. 2007.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
GUBA, E. e LINCOLN, Y. S. Effective Evaluation. San Francisco, Ca., Jossey-Bass. 1981.
HONORATO FILHO, J. D. A pedagogia do MST no espaço da Escola Municipal Emiliano Zapata em Barra do Choça – BA. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2006. (Monografia de conclusão do curso de Pedagogia).

KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 6. ed. Paz e Terra: Paz e Terra, 1995.

LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991.

LÜDKE, M.; ANDRÉ M. E. D. A pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MARTINS, Jl. A pesquisa qualitativa. In: FAZENDA. Ivani. (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 47- 58.

MARTINS, F. J. (org). Educação do campo e formação continuada de professores. PortoAlegre: Est Edições, 2008.
MELLUCCI, A. A experiência individual na sociedade planetária. Lua Nova, São Paulo, n. 38, 1989.        
MÉSZAROS, I.  A crise estrutural do capital. Tradução Francisco Raul Cornejo. São Paulo : Boitempo, 2009. (Mundo do Trabalho).

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Princípios da Educação no MST. Caderno de Educação, Porto Alegre, nº8, 1997.

_______ O que queremos com as escolas de assentamento. Caderno de Educação nº 18. 1995.

________. Escola Nacional Florestan Fernandes. MST Informa - Edição Especial, n° 82.
[on-line]. Jan. 2005. [cited 20.12.2005]. http://www.mst.org.br/informativos/mstinforma/mst_informa82.htm.

MORISSAWA, M. A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001.

OLIVEIRA, D. A. Mudanças na organização e na gestão do trabalho na escola. In: OLIVEIRA, D. A. ; ROSAR, M. de F. F. (orgs). Política e gestão da educação. Belo Horizonte: Autêntica, p. 125 – 143. 2002.

OLIVEIRA, M. A. M. Gestão educacional: novos olhares, novas abordagens. Petrópolis, RJ : Vozes, 2005

SANTOS, A. R. dos. A gestão educacional do MST e a burocracia do Estado. Dissertação de Mestrado – UFMG – 2010.

SOUZA, M. A. Educação do campo: propostas e práticas pedagógicas do MST. Petrópolis:Vozes, 2006. 

WEBER, M. Ensaios de Sociologia e outros escritos. 1 ed. Seleção de Maurício Tratemberg. Editora Victor Civita, 1976. (Coleção os Pensadores).
    



[1] Pedagoga (UESB), Mestre (UFMG), Doutoranda (UFMG), Professora Assistente da UESC.
[2] Pedagogo (UESB), Professor do Projeto Escola Mais (Rede Municipal de Vitória da Conquista – BA).
[3] Ver MACHADO (2003) e GENTILLI (1998).
[4] 1) Educação para a transformação social; 2) Educação para o trabalho e a cooperação; 3) Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; 4) Educação com/para valores humanistas e socialistas; 5) Educação como um processo permanente de formação e transformação humana (CADERNO DE EDUCAÇÃO nº 08).
[5] O MST acha que o termo gestor está mais voltado para a burocracia estatal. Por isso, prefere a denominação Coordenação de área para se referir ao responsável por uma escola específica.
[6] Florestan Fernandes (1920-1995). Considerado um dos mais importantes sociólogos do Brasil. Foi professor da Universidade de São Paulo (USP) e devido a seu engajamento na universidade foi cassado com base no Ato Institucional n° 5, em 1968. Foi eleito por duas vezes deputado federal pelo PT (1984-94). Como marxista, entendia que a classe trabalhadora era a principal força revolucionária e defendeu uma educação vinculada ao pensamento socialista. A homenagem prestada ao sociólogo “é resultado da admiração e reconhecimento do MST por sua trajetória de vida incansável e coerente com a luta dos trabalhadores e trabalhadoras” (MST, 2005).
[7] O MST prefere usar o termo coordenação de área, pois entende que o termo gestão está ligado ao modelo capitalista de gerir, de administrar.